Depois de todo fim...
Senti um espaço em branco,
procurei pelo parágrafo após o ponto final e não o achei - justo eu que não sou
de me deprimir, que na maioria das vezes enxergo o copo meio cheio, não soube o
que fazer com a metade vazia. Um vento frio de beira de abismo, de neblina que
turva a vista e faz diminuir o passo até quase parar, em função de pensar na
direção a seguir, uma caneta apreensiva na mão do poeta, esperando por
inspiração. Um vazio de fim de caminho, de começo de estrada desconhecida.
Entre o fim de uma jornada e o
começo de outra, existe um espaço sem preenchimento, um intervalo reticente. É
o bicho papão da maioria dos adultos, tira o sono e desespera, surge da boca do
estômago e espalha-se pelo corpo num buraco negro de tensão, espalha-se pelo
quarto, que fica tomado de sua presença, criando noites em claro. Fim... E
agora?
Foi assim ao terminar a faculdade
e ao perder o emprego, foi assim ao mudar de país e ter tanta coisa nova pra
ver e fazer que, ao mesmo tempo, parecia não ter nenhuma opção... Mudar abriu
espaço para toda uma nova vida, um vazio de princípio a ser preenchido com
muita calma e atenção.
Foi no primeiro aniversário que
passei sozinha, que me senti insignificante. Todo ano acostumada a viver
grandes festas, ainda mais eu, que faço aniversário quase junto com meu irmão,
que sempre dividi as comemorações com ele... Era uma data nossa! Uma data
unida, uma festa em casa, feita pra comemorar o milagre da vida: os filhos de
meus pais que marcavam presença no mundo. Sozinha não parecia tão importante
para o mundo. Faltou-me a metade. Foi assim passar o natal longe, o carnaval, a
festa junina e até o fim de semana sem churrasco e grande família... Tradições
que mudam abrem espaço, criam uma necessidade de aderência a novos costumes.
Abrem seus olhos para o mundo à procura de qualquer coisa que se possa adotar
como sua. Colocam-te atenta às minúcias e aos porquês. Mudam sua opinião.
Ao mudar-me para a Hungria, abri
um novo livro, inteirinho em branco. Construí-me em um universo paralelo. Levou
muito tempo para sentir minha alma completa do jeito que é hoje, mas mesmo
depois de muitos anos preenchendo espaços, um a um, com a nova vida húngara,
nova vida de casada, depois com a vida de mãe – um tapa-buraco imenso, que
deixa o coração tão grande que mal sobra espaço pra buraco negro entrar - às
vezes topo com uma falha aberta, algo que ainda preciso preencher.
Não sei, por exemplo, como tapar
o buraco de ter terminado de escrever meu livro. Ele estava cheio com ideias a
serem transcritas, cheio de empolgação com a convivência dos fatos narrados...
Foi uma vida paralela que acabou de uma hora para outra, em três letras: FIM. O
que se faz depois do fim? Como se os dedos tivessem entrado em greve e assumido
o sentido da última palavra, recusaram-se a começar um novo parágrafo, sobre
qualquer tema que fosse. Fui abandonada nas páginas em branco da minha
inspiração e bem lentamente procuro trazê-la de volta, convencendo-a de que há
espaço depois das três letras fatais.
Boba como sou, sinto pequenos
vazios até em coisas cotidianas, como o fim de um bom livro. Como é triste
fechar a última página daquele livro que foi o melhor que li em meses! E como é
triste pensar que sentirei um vazio por um bom tempo, ao ler outros que não
irão me tocar da mesma forma! Meus relacionamentos com livros bons são
duradouros, protelo o final lendo pouco por dia e apenas em dias de total
concentração e dedicação a ele. Loucura? Não! Fuga do vazio!
Percebi que o ápice da realização
é feito de uma grande alegria e seguido de uma maré de vazio inundando a alma. Algo
parecido é o que as noivas sentem ao sair da igreja: anos de preparação e
sonhos se foram com o buquê jogado para trás. Quanto maior o sonho realizado,
maior a sensação de falta que ele faz. Os sonhos nos movem e é natural que
aconteça uma parada ao chegarmos àquele destino. Nada de pânico! É hora de
procurar novos objetivos, novos sonhos, novos caminhos.
O vazio. É inevitável senti-lo, pois
sempre existirão espaços reticentes de fim da história, de sonhos realizados e
mudanças bruscas, sempre haverá um espaço para um novo começo, para novos
objetivos. Não há porque teme-lo, ele faz parte da nossa alma sem fundo, sem
limites, ele é apenas uma pausa, o mensageiro do novo, algo para revoltar as
águas paradas e fazer acontecer, é a folha em branco esperando por uma nova
história: um poema, um romance, uma aventura... Pode escolher, a página é sua! Se
está vazia, preencha!
FIM.
...
E agora? O que vai escrever?