Carol Brasil/Hungria, oficialmente

quinta-feira, 27 de março de 2014



Quando fiz meu primeiro visto de permanência, nesse país que há 13 anos me abriga, lembro-me de ter perguntado sobre quando eu poderia me tornar húngara e não ter mais que correr atrás de papeis, muitos papeis. A resposta foi rápida e convicta: Nunca.

Na época, não era possível ter dupla nacionalidade, nem da parte da Hungria, nem da parte do Brasil. No caso do Brasil, você poderia tê-la, apenas se nascido em outro país, com pais brasileiros. Por casamento, não. Existia a possibilidade de desistir da nacionalidade brasileira - o que, pra mim, era uma ideia totalmente fora de cogitação.
E o que diz o ditado? Nunca diga nunca!
Depois de muito tempo, já conformada com o fato de que eu seria velhinha e ainda estaria entregando papeis para o pessoal da Imigração, fui informada de que poderia fazer minha cidadania, pois ambos os países haviam mudado suas leis.
Nasci húngara, no dia 14 de março, um dia antes da maior data comemorativa dos húngaros, marco do início da revolução contra o domínio Austríaco. Revolução essa, que teve a participação de importantes poetas húngaros – os escritores sempre estão no meio da bagunça. Todo húngaro deve saber disso e eu estudei, mesmo sem precisar fazer prova, por puro interesse à pátria.
Um amigo, brasileiro, descendente de húngaro, escreveu-me a seguinte frase: “Você é a brasileira mais húngara que eu conheço.” Ri muito ao ler seu comentário, mas concordei. A brasileira mais húngara e a húngara mais brasileira. Já sou tão mistura desses dois, que não tem como negar nenhuma de minhas partes. Carol Brasil/Hungria, está marcado na minha alma, como tatuagem. Não é qualquer chuva que lava, nem pode ser tão facilmente coberta, virou cicatriz, marca d’água dos meus atos.
Não me entenda mal, vou deixar bem claro: Sou e sempre serei brasileira, em primeiro lugar.
Ter duas nacionalidades é como ter dois filhos, amamos muito cada uma. Amo o Brasil, até mais do que quando morava lá e o tinha como única opção, pois ter mudado, me ensinou respeito a tudo o que o relaciona. Aprendi a entender as diferenças e enxerguei o que há de pior e de melhor. Afinal, o que é o amor, senão a aceitação dos defeitos e a veneração das qualidades?
Seja o hino húngaro ou o brasileiro, aprendi a cantar com sentimentos, em lugar das palavras. Derramo lágrimas de saudades pelo hino da terra que está longe e de gratidão, pela que me abriga. Aprendi que a pátria é mais do que uma simples localização, é um caso de amor. E, ao contrário do que se possa pensar, não é a pátria que nos carrega, somos nós que a levamos, dentro do peito.
Com a Hungria, foi amor à primeira vista. Apaixonei-me por ela assim que coloquei meus pés nestas terras magyares. Cheguei com medo do preconceito, sem saber se iriam me aceitar, como latina, num país onde ter olhos pretos é realmente algo inédito, e fui surpreendida com tanto carinho, que não pude deixar de retribuir. As pessoas elogiavam meu cabelo preto, meus olhos pretos, diziam como minha pele morena é linda e nunca me senti tão bonita, como quando cheguei aqui. E como se não bastasse o que recebi de elogios pessoais, essa gente linda, desse país lindo, falava com carinho do meu povo brasileiro, do meu país e de tudo o que já ouviu sobre ele. Eles citavam “A escrava Isaura” e “Mulheres de areia”; Pelé, Ronaldinho e Cacá; Rio de Janeiro e o Cristo Redentor; músicas, paisagens, sonhos... Como não amar?
Começo a falar com alguém, que não sabe da minha nacionalidade, e assim que digo que sou brasileira, um sorriso largo se faz em seu rosto. Sou reconhecida, bem tratada, por todos os lugares que passo, e usufruo de um certo sentimento “VIP”.
Eu esperava que não sofresse preconceito, torcia para isso, mas jamais pensei que seria tão querida, justamente por ser brasileira.
Nas palavras de uma amiga: “incorporei” a Hungria.
Emocionei-me com a história triste e senti orgulho pelos feitos desse povo tão inteligente. Adorei o ritmo de vida, a segurança das ruas, o clima que sempre muda e transforma a paisagem completamente, as pessoas, reclamonas, e ao mesmo tempo tão gentis...
É claro que a adaptação não acontece de um dia para outro, mas sempre procurei ver como minha nova casa. Procurei amar cada pedacinho das terras húngaras, inclusive seus defeitos... Por exemplo, quando uma velhinha fura a fila na minha frente (um costume típico) e eu me divirto, dizendo que tenho que aprender esse truque, para o futuro. Meu marido brincava, dizendo que essa seria uma das coisas que cairia na prova pra cidadania...
Não tive que fazer prova, eles simplificaram o processo, justamente este ano. Mas estudei para poder cantar direitinho os hinos, fazendo jus à minha nova nacionalidade. Não tão nova assim, porque ela já tomava lugar no meu coração há muito tempo, já fazia parte de mim. Às vezes me pegava falando “meu país”, “nós, aqui”...
Então, quando segurei nas mãos o papel de confirmação, meu coração bateu mais forte. Foi como se o país me abraçasse, aceitando-me, finalmente, como parte dele. Um casamento, para selar uma história de amor mútuo. Olhei ao meu redor e vi o sorriso sincero desse povo que me recebia de braços abertos e, até mesmo a moça que regia a cerimônia, que acabara de me conhecer, compartilhava sinceramente de minha conquista, feliz por ter conseguido pronunciar corretamente o meu dificílimo nome brasileiro. E eu cantei o hino como nunca antes, sentindo que cada palavra era dirigida à mim: “Isten áldd meg a magyart...” (Deus abençoe os húngaros). Jurei amar essa pátria, com o coração, e pensei em como tenho sorte por pertencer a dois países tão incríveis, cada um a seu modo.
Nossos amigos me parabenizaram, dizendo que já me viam tão parte daqui, que nem pensavam que eu precisasse de pedido para cidadania. Comemoramos, e depois de umas cervejas, eu já recebia calorosos abraços de boas-vindas – os húngaros, que costumam ser reservados, se tornam mais abertos depois de um copo de bebida e você ouve muitas declarações de amor. Eu adoro quando eles estão de pileque! A seguinte frase me emocionou: “A Hungria precisava da sua alegria!”.
E que engraçada é essa vida... Húngara! Jamais imaginei essa nacionalidade, acho que uma das poucas inexistentes na mistura de DNAs da minha formação. Um país que nunca pensei em visitar e que, hoje, não me vejo sem. Eu, brasungara, encontrei-me numa versão muito melhor de mim, mais completa...
Duas pátrias, dois grandes amores e um privilégio: poder aprender a amar tanto e ser, assim, da mesma forma, retribuída.
Obrigada Hungria!

 
 
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