Domadora de cavalos.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Em algum momento da minha vida eu peguei as rédias do meu cavalo, que já acostumado a correr solto sem nenhuma direção, estranhou, empinou com uma sucessão de fatos novos e começou seu trote ainda arisco, mas para o lado que eu indicava.
Eu costumava achar que eu era a pessoa mais patética da face da terra. Quando criança tinha vergonha de tudo e era aquela única criança da classe que nunca se mexia do lugar, não falava muito, enfim, o sonho das professoras... o meu pesadelo...
O cúmulo da criança tapada que eu era, foi na quinta série, aos meus onze anos de idade. Já não bastasse o quão medrosa e inérte eu era, ainda sempre fui a menor da classe e usava óculos, o que fazia com que as outras crianças me achassem uma gracinha, praticamente um bebê, protegida por todos e totalmente dependente, muitas vezes estimulando o sentimento de pena e solidariedade, o que em alguns casos pode ser terrivelmente desprezível... Só falava quando alguém perguntava, só fazia o que as regras diziam, uma criança fantasma, já que em boa parte do tempo era como se eu nem estivesse ali.
Nesse meu ápice da dependência, num certo dia, a professora teve que sair da classe por alguns minutos, a classe virou uma algazarra e todas as crianças normais falavam, corriam, brincavam e faziam suas graças, eu não, é claro - Eu estava perdida, apenas observando de fora, rindo algumas vezes, não sofria, porque não tinha a visão que tenho hoje, do quão tapada eu podia ser, meu cavalo corria pra direção que ele queria, eu não tinha coragem de segurar suas rédias, não tinha coragem de determinar uma direção. - assim que a professora voltou e encontrou a classe naquele pandemônio, rapidamente decidiu que seria ponto negativo pra todos da classe. Tudo bem, eu teria o primeiro ponto negativo de minha vida inteira, não deixava de ser excitante naquela vida vegetal que eu levava... Se não fosse uma das crianças se levantar e com uma enorme bondade no coração - e pena, deplorável pena - sugeriu que eu fosse a única que não ganhasse um negativo.
- A Carolzinha também? Você acha que a Carolzinha estava fazendo bagunça, professora? Ela é tão boazinha! - Isso não era um elogio, mas sua solidariedade para comigo, na visão da professora, foi louvável.
Rapidamente todas as crianças concordaram e a professora também. É, a inerte da Carolzinha aqui jamais poderia ter se mexido e marcar sua presença... Fui a única a não ganhar negativo, com o apoio unânime da classe. Claro que não abri minha boca em minha defesa, era inegável, eu fui pega em flagrante, fazendo nada... Caí do cavalo...
Em casa eu era uma criança normal, fazia piadas em reunião de família, cantava e dançava, como se fosse a pessoa mais extrovertida do mundo. Era meu ambiente seguro, eu não sentia medo, meu cavalo mais parecia um pônei de tão fácil de conduzir. A vida era um paraíso sem nenhuma tortura no sítio da minha avó, com meus primos, fazendo o que todas as crianças fazem e gostam de fazer, até mesmo travessura, levando uma bronca aqui, outra ali, sem pena nem piedade por ser boazinha pequenininha fofinha...
Os anos foram passando e minha existência social se tornando um pesadelo cada vez maior, com horários de lanche intermináveis sozinha, ou pior, quando um grupo me convidava pra participar e eu ficava ali no meio, sem saber quando abrir a boca pra falar, torcendo pra ninguém me perguntar algo, querendo virar fumaça e desaparecer... Meu cavalo corria e quase me derrubava o tempo todo.
Foi quando minha mãe decidiu colocar-me na aula de teatro e também ganhei lentes de contato.
Eu ficava terrivelmente nervosa com as aulas, mas era como se tirassem minhas correntes, eu era obrigada a falar, obrigada a aparecer e segurar as rédias daquele cavalo arisco para não cair do palco. Eu tinha que controlar minha vida, as rédias estavam na minha mão e eu não estava apenas sendo levada sem direção. Meu cavalo empinava, virava a cabeça lutando, eu puxava a rédia e ele trotava contra vontade, sendo obrigado a ir para o lado escolhido, as vezes empacava, relinchava e seguia trotando contra sua vontade. Eu fazia uma força imensa tendo que levar o cavalo para direções onde ele não queria, direções que eu morria de medo.
Mudei de escola, pois começara o colegial e o que mais gostava é que as pessoas não tinham pena de mim, os meninos faziam piadas e eu ria, ou fazia cara feia, dependendo do tema. Meu cavalo ainda empinava, não estava totalmente em seu controle, mas estava com as rédias na mão brigando com ele, tentando domá-lo. Não ligava se alguém era estúpido comigo, isso era uma ação finalmente. Eu participava, não só assistia da arena, com meu cavalo sem rédias. Eu respirava fundo e imaginava-me no palco do teatro, segurando meu cavalo e tudo dava certo, eu falava. Salvo umas vezes que o professor pegou-me de surpresa fazendo perguntas que eu sabia, mas não conseguia responder - Heiha cavalinho, calma! - caía do cavalo umas vezes, mas era bom, estava lutando com ele, ele trotava, virava a cabeça, mas ía para a direção certa.
O colegial foi uma época de luta e vitórias, que para mim eram mais difíceis que tirar notas boas. Fiz amizades com pessoas que riam alto e mexiam com os outros. Completa ousadia! Era como assistir um show de cavalos domados no circo, eles conseguiam cavalgar de costas, fazer piadas com os professores e até dar piscadelas ao léu, paquerando só para fazer uma graça... Uma amiga, em especial, era tão desenvolta com seus truques que conseguia mexer com o cavalo dos outros além do dela, era conhecida, popular, e não pela sua beleza, que era comum, mas seu jeito era de um encantador de cavalos. Ela me ensinou como segurar as rédias, parar de fazer meu cavalo empinar e me derrubar, não se desesperar quando ele disparasse e simplesmente curtir o vento, dar um sorriso e mostrar-lhe a direção de volta.
Entrei para a faculdade de Publicidade e Propaganda como minha última tentativa de domínio, foi mais um pulo em águas fundas, sendo que era obrigada a apresentar tudo, absolutamente tudo, na frente, em vóz alta e muitas vezes interpretando e dançando. Ao final do curso estava segurando tão bem as rédias de minha vida que podia dar shows, pagar micos e ser conhecida na faculdade toda. Dessa vez eu brilhava, não virava fumaça. Era como se fosse outra pessoa, outro cavalo, eu era safa, sorria e escapava de piadas, fazia piadas de volta, conhecia todo mundo da turma da manhã e da noite, tinha até quem não gostasse de mim, o que para mim era uma verdadeira novidade. Eu curtia os sorrisos amigos e curtia os olhares invejosos. Eu empinava porque queria e ainda acenava lá de cima antes de disparar com meu cavalo ao vento. Eu e o cavalo eramos um, finalmente indo para a mesma direção ao invés de brigar por direções contrárias, minha vida seguia o rumo que eu queria.
Deixar que outras pessoas decidam por mim, que outras pessoas digam quem eu sou ou quando eu começo minha vida, esperar decisão de outros para ter a minha, não, nunca mais! Eu decido, as rédias da minha vida estão na minha mão, não as entrego a ninguém, meu cavalo quem leva sou eu!
Eu decidi que iria achar a pessoa certa e conduzi meu cavalo até ele, decidi que o seguiria até onde ele fosse e enfrentei muitos obstáculos sem entregar as rédias a ninguém, outras pessoas me indicaram mudar de direção quando cheguei perto do penhasco, mas eu decidi pular e meu cavalo seguiu meu comando. Fui vencendo tudo sem largar nunca.
Talvez eu tenha herdado do meu avô, que era um excelente domador de cavalos, esse dom de amansar cavalo arisco e fiz daquele selvagem que corria tão rápido, a ponto de me fazer invisível, ou me derrubar expondo, um cavalo de circo, que aparece quando eu quero, fazendo o truque que eu mando, correndo por paixão pela vida e não por medo. Eu controlo a vida, não é ela que me controla mais. Sim, as rédias estão a sua frente, pegue, brigue e mostre você a direção para onde pretende ir. Muitas vezes o melhor caminho é através do que você mais teme, pode ir, o cavalo é forte, capaz de nos levar muito longe, basta mostrar-lhe o caminho.





COMENTÁRIOS AQUI!:


Daniela Says: 
Carol, adorei conhecer um pouquinho de ti, tua historia. Me identifiquei com algumas coisas. Sempre ouvi uma frase: hà vida apos a escola? Podemos dizer que sim ne? E quanta vida!

Vivendo e aprendendo a domar nossos cavalos tb.
bjo
Carol Says: 
Que bom que gostou! 
Verdade, a escola őe uma parte muito grande da nossa vida e acabamos aprendendo muito mais do que os professores ensinam... 
Ainda vou domando meu cavalo, que se a gente deixa livre muito tempo ele fica mais arisco... rsrsrs
Beijinhos!
A Leitora Says: 
Carol.
você escrveu coisas que eu gostaria de dizer a muito tempo.
Sempre me senti controlada por minha mãe, e na escola também passava despercebido.
Com o passar do tempo a gente aprende que é hora de fazer alguma coisa.
De dar um basta.
Tive que sair de casa pra saber que eu tinha as rédias de minha vida e que minha mãe por mais que me amasse não poderia fazer de mim seu robô.
Tomeu as rédias da minha vida e domei meu cavalo.
Carol Says: 
É isso aí Briana, vc toma conta da sua vida, seu coração da conselhos muito melhores que qualquer um. Segue segurando a rédia que sua vida vai pra onde você quer.
Beijinhos!
Juliana Says: 
Ai Cá.... não sabia que você era tão diferente na escola, quando pequena... :( Para mim você sempre foi a pessoa mais engraçada do mundo, a melhor! 
Fico feliz em ver que você superou seus medos, e ver que a mesma Carolina que eu sempre conheci é a que todo mundo conhece hoje!!
Te amo demais querida!

Não tem prova maior do seu domínio sobre o cavalo que a sua vida hoje né... há 10 anos mudou-se de continente, constituiu uma família linda, e hoje faz tudo que gosta! Parabéns!
Carol Says: 
Obrigada querida!!! Pois é, eu era uma boba, mas não mudaria nada se pudesse, faz parte de quem eu sou ter passado por isso, assim eu aprendi e posso contar aqui. :) 
O pessoal da família realmente não me conhecia assim... ainda bem que não era tonta em casa tb... ahahahha
Tb te amo muito e não me canso de dizer que vc tem muito a ver com o que sou hj.
Beijos!
Anônimo Says: 
Olá minha "nova" prima, nova porque descobri agora hehehe trabalho com sua mãe, e achei seu texto maravilhoso!!! E li na hora certa.. estava precisando dessas palavras.. me emocionei.. Obrigado pela sensibilidade!! Que dom maravilhoso que vc tem, continue escrevendo!.. Ahh se quiser de uma passadinha no meu blog, não escrevo bem como vc, masss.... hehehehe www.olharesinternos.blogspot.com Bju!
Vinicius Lira Valerio
Carol Says: 
Oi Primo!
É, falei ontem com minha mãe e ela contou de vc, mas não tinha o endereço do seu blog ainda, vou ver sim... Parece que na veia tem algo que atrai a escrita, hein!
Que bom que vc gostou do texto, fico sempre muuuito feliz em ver que alguém se identificou.
Apareça sempre!
Beijinhos!
Anônimo Says: 
Oi querida,hoje você me fez soluçar, mas choro de satisfação e de orgulho. Porque ver você se libertar e revelar a luz própria que eu sempre enxerguei em você, foi lindo!!! Te amo, Mamãe.
Carol Says: 
Obrigada mami, você com certeza fez a maior parte do trabalho, me mostrando sempre o caminho certo e percebendo quando eu precisava de ajuda para isso... Hoje acho que comando minha vida melhor que muita gente, mas acho que pra isso foi necessário passar por tudo o que passei para aprender a lidar com vários tipos de situações que podem nos deixar sem rumo...
Como sempre, vocês fizeram um ótimo trabalho, espero ter esse equilíbrio, que vocês sempre conseguiram com a gente, para educar os meus filhos.
Te amo!
Beijos!
Anônimo Says: 
Oi Amor!
Eu so te conheci desse jeito maravilhoso que voce tem, e achei dificil imaginar voce daquele jeito antigo, mas sei que o caminho todo que voce passou so te deixou mais forte, e com mais poder de ajudar pros outros.
Sua Mae fez a coisa certa naquela epoca ja, porque se importou com voces tanto. Voces tem muita sorte, e tudo isso que trouxemos "de casa" podemos juntar para os nossos meninos :)
Continue ... sempre!
Zsombor
Carol Says: 
Meu grande amor, eu só tive muita sorte de sempre ter pessoas maravilhosas do meu lado, completando o quadro com vc, meu mais maravilhoso amor, que sempre me apoia em tudo e encoraja, sempre acreditando mais em mim que eu mesma. Obrigada!
Determinacao è nosso lema. Says: 
Muito legal amiga... Vc é o maximo...

BJS SAUDADES MIL....
Anônimo Says: 
QUERIDA, QUE SAUDADES!!!
Justo vc me diz que eu sou o máximo? Você é uma das mulheres mais fortes que eu conheço amiga! Te adoro! Beijos!!!
Carol.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...