Tique-taques

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

 
Tirei férias de mim mesma, de escrever, de ser adulta e mãe o tempo todo... Recebi a visita da minha mãe e voltei a ser filha, no breve e valioso tempo contado de sua presença. Foram três semanas de mimos intensos, de conversas longas com a melhor amiga, que ela sempre foi, filmes e séries que sempre adoramos ver juntas, passeios, cafés, risos, confissões, conselhos...  

Assim que ela saiu pela porta da frente, um vazio imenso tomou conta da casa, tomou conta de mim. Coloquei-me a pensar no azar de viver longe dos meus pais, da minha família toda, e o dia todo se escureceu.
Despedida. Lágrimas. Solidão. Eu e o relógio.
É sempre assim no dia da despedida, o vazio é inevitável e pensamentos tolos tomam conta do silêncio pesado da casa, que fica ao som do tique-taque do relógio, lembrando-me sobre o tempo, fazendo-me pensar em quanto tempo, quantos tique-taques estarão por vir até que eu possa reencontrar minha família novamente... Nesse primeiro dia, depois da despedida, parece que uma eternidade está para nos separar e o relógio conta horas intermináveis com seu compasso.
Tique... taque... tique... taque...
Passada a primeira noite, as horas mais difíceis e compassadas, o peso começa a passar e vai deixando lugar para todo o sentimento bom de ter vivido com intensidade a presença da minha mãe. Tento voltar ao meu costumeiro estado otimista de ser e relembrar que escolhi ser feliz. Afinal, o que é a felicidade, senão uma escolha? Por que mesmo me considero feliz? Os motivos vão reaparecendo, mesmo nesse tão delicado tema, que é a despedida.
A verdade é que eu não penso muito na parte ruim de estar sem eles, esses pensamentos tomam conta apenas em momentos assim, quando tenho a presença em um dia e no outro, não. Claro que seria maravilhoso poder ter os churrascos de final-de-semana, com a imagem linda de todos os primos brincando junto, como quando eu era criança, ver meus filhos pendurados em meus pais constantemente e outras coisas incríveis que uma pessoa pode desfrutar quando vive perto dos que ama. Mas será que as pessoas sabem o valor disso? Realmente desfrutam da convivência e se agarram a ela, como eu faço, sempre que tenho a chance de rever meus pais, sem o aviso dos insistentes tique-taques do relógio?
Vivemos profundamente, moramos juntos e guardamos cada beijo, cada abraço, no nosso escasso tempo de convívio. De certa forma, é um privilégio. O relógio está sempre nos dizendo para aproveitar ao máximo.
Durante a estadia da minha mãe aqui, as crianças dormiram todos os dias na mesma cama com ela, apertados, meio que amontoados, mas sem se importar com isso. Fizeram bagunça e contaram estórias a cada noite, antes de dormir, porque o importante era o momento com ela e não as obrigações do dia seguinte. Ela os levou e buscou na escola, onde foi apresentada com orgulho às professoras, e as crianças puderam contar a todos sobre a vovó que vem de terras distantes, lá onde temos uma outra casa (eles consideram a casa dos avós como lar, afinal, moramos lá, sempre que vamos para o Brasil). E é bom demais ver essa ânsia de aproveitar cada segundo, de querer agradar, demonstrar, participar... - Tique-taque, tique-taque, aproveite o tempo, não deixe passar nada! - O relógio avisa.
Pode ser que venhamos a sentir dor e saudade, o peso do silêncio e os eternos tique-taques do depois, mas juntamente com os sentimentos “ruins”, vem a consciência de que cada momento deve ser bom e memorável, que na escala dos valores, o tempo de diversão com quem amamos está na frente de todo o resto. Quantos momentos memoráveis tem uma pessoa que não sente essa necessidade? Sem querer julgar ou medir, atrevo-me a dizer que estou perfeitamente feliz com o número dos nossos e tenho certeza que estão entre as maiores contagens, sem muita defasagem comparados com outros, que tem a chance de viver num cotidiano de presença.
É como nos dias de férias, você faz valer a pena, faz passeios e programações, fala do que te faz feliz, dá atenção para o que realmente importa e tudo se torna relevante, inesquecível. Aproveitar a vida vira prioridade.
Nossa vida é assim - sempre foi - nada é morno, certo ou constante, vivemos entre o frio e o quente; extremamente perto ou terrivelmente longe; sentimos vontade de chorar, mas também, muita vontade de sorrir e abraçar; tiramos fotos abraçados e olhamos para elas com carinho. Nada passa despercebido entre as escolhas extremas e o tempo compassado dos tique-taques. Tudo o que é finito traz urgência e períodos demarcados podem parecer castigo, mas, olhando com otimismo, do ângulo certo, não tem como culpar o relógio, já que são nesses pequenos espaços de tempo que se esconde a verdadeira essência da nossa história.
 
Já sentimos muito a sua falta, mãe, mas o relógio continua andando e estamos juntando essas lágrimas que caíram agora, para compensar com o grande abraço que te daremos assim que nos vermos novamente.
Tique... taque.

Comentários (22)

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Belíssimo!!!
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Que bom que gostou, amor!
Retomando a escrita... rsrsrs
Deu um aperto no coração Carol. Sei exatamente como é esse sentimento no momento da despedida. E bateu ainda mais saudades da minha família que está no Brasil, vai fazer 4 anos que não os vejo!
Muito abençoada você é, por ter feito essa escolha de ser feliz independente das circunstâncias.
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Re, as pessoas tem que ser feliz com o que lhes é dado, não é? Nesse caso, tenho muita coisa a agradecer. A saudade é o fator mais difícil de se lidar, mas só tem saudade quem tem muito amor. :)
Espero que vc possa ver logo sua família. Os anos passam tão rápido, né? Já faz 1 ano que fui ao Brasil e não tenho previsão pra próxima visita, mas vou driblando... rsrsrs
Beijão!
Lindo Carol , seus textos são sempre maravilhosos e nos faz refletir muito. Beijão e um LINDO dia para vc !!!!!
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Obrigada Fernanda!
Um LINDO dia pra você também!
Beijos!
Oi Carol! To muito feliz sabendo sobre o seu blog, e ler sobre o meu pais, a minha cultura pelo olho brasileiro. Adorei memso. Ainda na lei tanto no seu blog, mas qundo voltarei á casa tenho certeza que ia continuar lendo, só que estou no posto de trabalho. :) Olha voce tem que ir pra Mohács neste fim de semana, porque naquela cidade, perto de Pécs vai ter o nosso carneval típico (o melhor dia é o domingo, qdo vao colocar um coffin para o rio Danubia no sentido que estamos funerando o inverno) chamada BUSÓJÁRÁS. Volto continuar trabalhar. Tenha um dia maravilhosa!
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Sofia, adorei receber seu comentário!
Estamos programando para participar do BUSÓJÁRÁS sim. Acredita que em 13 anos morando aqui, nunca vi de perto? Vergonha! Vamos tentar esse ano com as crianças sim. }Obrigada pela dica! (Quem sabe eu escreva sobre isso?) ;)
Gyere máskór is, nagyon rítka a magyar vélemény itt a blogon.
Puszi!
Muito lindo filha, esse tique-taque do relógio ficou em casa comigo, enquanto ela estava aí, sei bem o que você está falando, porque os tiques-taques de todos os relógios daqui passaram a serem notados desde que você partiu.........Bjs!
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Ah, Papi, me fez chorar outra vez!
Seus tique-taques estão TODOS guardados para um grande abraço. Sentimos muito a sua falta aqui.
Um grande beijo!
Lindo filha! Acho que aproveitamos cada momento. Fizemos de cada dia a perfeição, já que não temos a chance de refaze-lo, como no filme...
Adorei estar com vocês, vocês são maravilhosos, meus filhos lindos. Beijos, mamãe.
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Sim, mãe, acho que aproveitamos muito bem nosso tempo e as coisas que eu queria fazer com você, foram feitas, uma delas era assistir esse filme na sua companhia. :)
O tempo passou muito depressa, espero que da próxima vez o pai possa vir junto e vocês fiquem mais tempo. Nosso convite pra que vcs morem um pouco aqui, um pouco aí, continua de pé. ;) Beijos!
lindo você é uma poetisa nata !
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
Obrigada!
Fico imensamente feliz em saber que você acha isso. :)
Abraço!
às vezes prefiro nem ver minha irmã que mora longe. Quando ela se vai, parece que as saudades são mais dolorosas.Quando ficamos longe, parece que nos conformamos e aquietamos o coração.Estranho,né?Perto ou longe sempre dói:é o tempo nos dizendo que o momento de separação vai chegar.
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
É verdade Lili, é assim mesmo. Enquanto estamos longe, não tem jeito e vamos tocando a vida, mas quando passamos muito tempo junto com alguém de longe e essa pessoa vai embora, fica um vazio tremendo! Mas depois de uma ou duas semanas voltamos a acostumar com o "sentir saudade" e nos sentimos recarregadas pela presença. :) Vale a pena passar pelos dias de vazios, depois de dias tão repletos de amor. ;)
Beijinhos!
Lindo texto e cheio de vida e amor Carol! Sei exatamente o que você sente cada vez que sua mãezinha vai embora, pois moro longe dos meus pais, também pela escolha que fiz de "ser feliz!", mas não tão longe igual você.. De qualquer forma são 5 horas dificeis...pois não posso estar la toda hora...

Mas a dor quem deixa sou eu, pois hoje são idosos e não vem mais aqui... Também deixo meu coração pra trás, dolorido e impotente... É a vida...

Mas você esta certa, quantos tem a presença e não a vivem... Vale sim, muito mais contar essas horas intensas que passaram juntos - netos, vó e filha - do que todos os dias sem esse calor maravilhoso da maternidade verdadeira..

Dói sim, mas nossa dor vai se consolando com nossa honestidade em amá-los como se morássemos ainda com eles...

Tenho certeza que sua mãe é muito feliz com toda essa receptividade sua e dos netos. É o que os avós mais esperam... E essa vovó tem! :)
Fique tranquila...

Um beijo grande... (tempo que não venho aqui)

Tê... Bolhinhas de Sabão para Maria
1 resposta · ativo 579 semanas atrás
É isso mesmo Teresinha!
A vida traz escolhas, mas também traz presentes para essas mais sofridas. Nós temos de presente esses momentos intensos e não podemos esquecer de aproveita-los.
Distância é distância, não importa a quilometragem, sei exatamente como você se sente. :) Bola pra frente, esperando para que os tique-taques cheguem novamente no momento do reencontro. ;)
Obrigada por passar por aqui, volte sempre! Pretendo escrever mais esse ano.
Beijos!
A vida é sutil e profundo ao lembrar do que não é eterno. Mas é igual ao marcar na alma qoe ue levaremos para sempre.
1 resposta · ativo 578 semanas atrás
Exatamente, poeta. :)
Obrigada por enfeitar minha página de poesia!
Abraço!

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