A casa

quarta-feira, 6 de agosto de 2014


 
A casa onde tudo era possível, onde a infância parecia eterna, o colo da vovó estava sempre pronto para abrigar, o sorriso do vovô estava sempre a mostra quando enchíamos o ambiente de uma bagunça saudável infantil.
Éramos em muitos netos, mas a paciência dos avós estava constantemente em maior número. Naquela casa, tínhamos a razão. “Deixa ela(e)!” dizia meu avô, pra qualquer bronca que levávamos, seja qual fosse o motivo.
Houve um tempo em que, na casa do sítio, a luz era só de lampião, o banho era de bacia, com água esquentada no fogão e a água era do poço... Houve um tempo em que fazíamos a própria cola, com uma mistura de farinha, para depois fazer a pipa que soltávamos o dia todo... Houve também um clubinho dos primos: Clube dos monstros. Nome bem apropriado para nós, que adorávamos histórias de terror, mas que corríamos feito loucos para dentro da casa assim que minha avó gritava: Olha o bicharraco!!!! – esse era o monstro que ela havia criado para botar toda a criançada pra dentro, já que não ouvíamos as outras dez vezes que ela havia chamado para o banho...
O sítio se chamava Arco-Íris e meu avô dizia que a chave se encontrava lá no fim, sempre que víamos um... Meu avô também tocava violão e recitava as próprias poesias, era tropeiro e tinha cavalos, chicote, chapéu e tudo o que uma criança acha que deve pertencer a um herói.
Era tudo mágico, tudo meio “sítio do pica-pau amarelo”, com suas lendas e personagens fantásticos... Éramos crianças da cidade, que ali, nos finais de semana e nas férias, virávamos passarinhos fora da gaiola. Voávamos em aventuras incríveis e só parávamos eventualmente, para comer uma torrada feita na chapa, com manteiga derretendo, tomar achocolatado ou suco de amora... Ah, amoreira... Ficávamos todos pintados com aquele roxo, de tanto comer embaixo da árvore. Quando não era tempo de amora, havia o coquinho... Horas para quebrar e retirar de dentro aquele pingo de coco, que por algum motivo era a coisa mais gostosa que existia...
Futebol cercados por pinheiros, vôlei à sombra das Flamboyants, escaladas nas mangueiras e caça de algodão nas paineiras... Bola, bicicleta, skate e carrinho de pedal, que mais cansava que andava, mas era sempre muito disputado, afinal, era um fusca muito bonitinho e foi usado até só sobrar a carcaça, então se tornando mais leve, mais rápido e ainda mais disputado...
O dia acabava com a sopa da vó, depois deitávamos TODOS na mesma cama (4, 5 crianças) de uma vez), à luz de velas, cada um com um livro bem antigo, da coleção de Seleções que minha avó mantinha, e líamos até adormecer...
A casa mágica do sítio é algo que não se pode explicar... Pensando nela, sinto saudade, uma sensação de união... A casa do sítio me traz o amor à família, sempre tão presente, tão grande e barulhenta... Aquela casa tão pequena, tão cheia de significados foi tornando-se lenda. Ela era meus avós e se transportou, juntamente, para outro mundo, deixando apenas as melhores lembranças de uma infância privilegiada, de quem cresceu em meio a tanto amor, com vários pais a nos cercar e primos que são considerados irmãos.
A casa se foi... tento pensar apenas com gratidão, deixando a tristeza de lado, concentrando-me nas milhões de alegrias que ela representou. Uma lágrima sempre insiste em cair ao ver sua foto, antes de rir comigo mesma, ao lembrar das aventuras vividas... Mas parte do presente de ter vivido na magia daquele lugar, continua, a parte mais importante: nossa família continua sendo maravilhosa.
Saudades de vocês.
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