Tio Darwin

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 



    O natal, na minha família, sempre foi um evento especial, com várias tradições criadas ao longo dos anos. Uma das tradições, era o que dava início ao clima de natal: a chegada do tio Darwin.

    O tio Darwin, um dos quatro irmãos da minha mãe, era a pessoa que havia escolhido morar longe, ele havia casado e montado sua família em Três Lagoas, Matogrosso do Sul, e por esse motivo, na maioria das vezes, era na época de natal e ano novo que nos reuníamos a ele, minha tia Elisete e meus primos Darwinho e Heloisa. Mais uma coisa muito característica do tio Darwin: ele era o queridinho da minha avó, fato que todos aceitávamos e concordávamos, pois era impossível falar algo de ruim do meu tio: simpático, ineligente, quieto, porém divertido... tinha a melhor risada que já vi e era divertidíssimo assistir comédias ao seu lado, pois sua risada era um convite para acompanhar... Além disso, se o Darwin colocava um enfeite de natal na parede, por exemplo, minha avó nunca mais deixava tirar, porque foi o Darwin quem colocou! E o enfeite ficava ali para sempre, não adiantava discutir que já estava velho e o natal já havia passado há meses... Ficava lá a menos que o próprio tirasse no ano seguinte.

    A tradição: ele falava uma data de chegada, mas sempre chegava mais cedo (uns dias antes, uma semana... nunca sabíamos, era uma surpresa, porque ele não queria que minha avó se preocupasse com sua viagem. Sua chegada era sempre celebrada com muitos abraços e algumas lágrimas de emoção. Minha avó ficava semanas preparando a casa, tirando as roupas de cama mais bonitas do armário, aquelas que eram guardadas só para o uso dele, comprando tudo o que ele gosta de comer... E assim começava nosso natal. Era uma festa tê-los por perto novamente.

    Quando, para mim, surgiu a oportunidade de vir morar na Hungria, meu maior medo era perder o contato com a minha família. Mas lá estava o exemplo do tio Darwin, que era sempre bem recebido, sempre parte de nós, não importa quanto tempo não nos víamos, ensinando-me desde cedo que a distância não separa minha família. Por isso, não tive medo de perde-los, por causa de seu exemplo de vida e sua presença iluminada, tive coragem de dar esse passo. Devo muito a ele, pois é nele que penso quando me sinto distante da minha família, quando bate o medo de estar perdendo contato, penso em como eles são e sempre serão parte de tudo, mesmo de longe, penso em como o amor não reconhece distância e os laços entre nós são fortes demais... penso... penso muito no tio Darwin...

    Ontem foi um dia triste, porque o tio Darwin partiu para um lugar mais distante e sinto por nunca ter agradecido a força que ele sempre foi pra mim. Pensei muito nele... chorei... pensei... e lembrei que era nessa época, justamente, que ele nos surpreendia com sua chegada e algo calmante tomou conta dos meus pensamentos: ele está novamente surpreendendo minha avó no natal! Chegou lá do outro lado para abraça-la e o céu está em festa, se preparando pro natal desse ano.

    Tio Darwin, obrigada por tudo: pelo exemplo, pelo carinho, pelas risadas gostosas, pelas surpresas, pelos natais... Sentiremos sua falta!

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