Já se sentia assim

terça-feira, 30 de junho de 2020


“Ela queria estar feliz e já se sentia assim.” Diz o livro “A Abadia de Northanger”, de Jane Austen, ao descrever a chegada de sua personagem principal, Catherine, ao seu destino.


Tive que parar meus olhos nessa frase, ler e reler, pois a atitude me foi tão familiar!


Quantas vezes cheguei a um lugar decidida a amar, a ser feliz ali? Muitas e muitas vezes, para não dizer que foram absolutamente todas...


Foi assim que cheguei à Hungria da primeira vez, maravilhada, procurando as diferenças para que pudesse aprender e as semelhanças para que pudesse me agarrar; foi assim quando me mudei da pequena cidade húngara de Pécs, uma verdadeira caixinha de jóias, para a capital estrondosa e exuberante, cheia de vida, de Budapeste; foi assim quando morei no lago Balaton, cheio de festa no verão, absolutamente deserto no inverno...


Ser feliz depende de muitos fatores, depende do seu equilíbrio emocional, das pessoas que te rodeiam e seu bem estar, do andamento dos seus planos... e depende muito, muito mesmo do seu desejo de simplesmente sentir-se assim.


Pelas descrições acima você pode pensar: mas qual a dificuldade de ter se mudado para esses lugares com descrições absolutamente perfeitas?


Pra começar, as descrições já são frutos da maneira que eu quis enxergar, não sei dizer de outra forma, porém, já ouvi de outras pessoas com destinos semelhantes aos meus, algo totalmente oposto. Não tiro a razão delas e também não digo que elas não enxergaram direito, apenas focaram em outras coisas. Alguns focam na dificuldade de viver longe da família e amigos, longe de tudo o que conhecia até hoje como lar e isso é completamente compreensível, pois tem quem não consiga apagar essa impressão, nem depois de viver mais tempo no lugar novo que no de origem; outros focam na dificuldade de se adaptar a uma nova cultura, estranham diferentes pontos de vista, se ofendem com diferentes opiniões e é realmente muito difícil entender outros conceitos; outros reclamam do clima, da falta do sol ou do exagero dele... Enfim, tudo está lá misturado, inegavelmente, para todos.


Não vou dizer que nunca passei por nada desse tipo, que nunca critiquei algo ou simplesmente não gostei, no entanto, meu esforço maior foi sempre para tentar assimilar e entender.


A vida é complicada o suficiente para te frustrar de qualquer maneira, mesmo com tudo dando certo. É frustrante não viver com a minha família brasileira, o grupo familiar mais exemplar e incrível que eu já conheci, incluindo seus pequeninos defeitos (todo mundo tem algum), permanece unida, forte e barulhenta, como eu amo... É frustrante você ser a única que não participa das reuniões entre amigos... É frustrante ter que começar do zero num novo lugar, por mais lindo que seja...


Mas aí é que está, se eu tivesse minha família e amigos por perto, não teria as outras oportunidades. Então por que não tentar ver o que foi conquistado ao invés de chorar pelo que foi perdido?


Tenho pequenos escorregões, confesso. Afinal, tenho que por pra fora a tristeza de não poder viajar pra casa e rever todo mundo depois de 2 anos longe... Nem é bom ignorar um tropeção causado pela pandemia (muitos estão vivendo capítulos até piores nesse momento nada fácil) e o melhor a se fazer é lavar a alma com um bom choro. Mas de alma lavada e situação imposta, o que me resta é continuar insistindo na vontade de ser feliz.


Assim sou feliz: porque quero!


Sou feliz apesar da distância, apesar da saudade, apesar das oportunidades perdidas, apesar das tristezas externas... Sou feliz porque vejo meus filhos saudáveis, porque sigo amando meu marido, meu eterno príncipe... Sou feliz porque meu marido me abraça depois de dois meses de isolamento e diz: É tão bom ser casado com minha melhor amiga!; Sou feliz porque fui capaz de fazer pão e pizza sozinha, com fermento caseiro; sou feliz pelas coisas minúsculas dos nossos dias, porque procuro por elas, sigo em busca da paz e amor eternos. Faço e planejo tudo com a intenção da felicidade e, em troca, já me sinto assim.


Nossa história vai sendo escrita com todo tipo de sentimento misturado, com fatalidades e momentos afortunados, mas nós escolhemos quais deles serão grifados. É feliz quem sabe contar sua história com bom humor, leveza e um toque de fantasia.


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