De repente, como num filme de ficção científica,
passamos a viver a realidade de uma pandemia, suas restrições e seus rastros,
suas sombras...
Pensei muito se escreveria sobre isso, um assunto mais
que desgastado e dissecado no último mês, também pelo fato de que tenho preferência
em documentar meus momentos felizes e deixar que os tristes sejam esquecidos, diminuídos
pela memória... Mas não dessa vez... dessa vez está se tornando cada dia mais
difícil manter o bom humor, abster-se do tema, sentir-se segura, enxergar o
final. Dessa vez estou melancólica e odeio não poder tirar o melhor de tudo,
odeio as noites mal dormidas porque levanto num susto a cada pequena tosse que
meus filhos dão no quarto ao lado - tosse de alergia, que sempre vem com a
primavera, mas e se não for dessa vez? A pergunta não cala, meu sono não vem.
Escrevo da janela do meu quarto de Budapeste (estamos
na nossa casa de Pécs durante esse período de quarentena, porque a casa é maior
e tem quintal, só viemos para juntar algumas coisas que ainda faziam falta e
arrumar alguns assuntos pendentes. Normalmente, juntar as coisas e ir para a
casa de Pécs por um tempo é algo que fazemos alegremente, mas não dessa vez...
dessa vez tem um sentimento de fuga envolvido, que desmente a sensação de
férias) a visão da janela está linda e a primavera chega com seus dias
ensolarados, o sol finalmente quente. Nesses dias, o que eu sempre amei foi
observar a vida pelas ruas, nos parques, a felicidade estampada no rosto das
pessoas... Mas não dessa vez... Dessa vez, o sol destaca ainda mais o medo, o
fantasma de uma ameaça invisível. Budapeste está silenciosa e parada, o sol
ilumina a frieza do distanciamento, põe em fóco os cafés fechados, os
playgrounds interditados...
Eu não teria problema com o fato de ficar em casa com
as crianças e o marido, essa parte está gostosa, curtimos muito a companhia um
do outro, jogamos, assistimos filmes, estudamos juntos... não estou entediada,
mas... - Eu costumo ser tão positiva! - Mas não dessa vez... Tira tanto da
beleza de tudo isso, ter o medo plantado no portão da sua casa! Difícil
explicar, não é um medo direto, da doença em si, mas um conjunto de todos os
efeitos e cenários que está causando, como a primavera silenciosa e parada, a
estação que mais destaca a vida, lutando justamente com essa ameaça.
Procuro pensamentos positivos para terminar esse texto...
Não dessa vez... não tenho frases animadoras, nem conclusões que possam
acalentar, a não ser o mesmo pensamento que tive nos momentos mais difíceis da
minha vida: Paciência, ficarei quieta, esperando que tudo isso acabe, pois ESSA
VEZ, assim como outras, também irá passar...