Não dessa vez...

quinta-feira, 2 de abril de 2020


 

De repente, como num filme de ficção científica, passamos a viver a realidade de uma pandemia, suas restrições e seus rastros, suas sombras...
Pensei muito se escreveria sobre isso, um assunto mais que desgastado e dissecado no último mês, também pelo fato de que tenho preferência em documentar meus momentos felizes e deixar que os tristes sejam esquecidos, diminuídos pela memória... Mas não dessa vez... dessa vez está se tornando cada dia mais difícil manter o bom humor, abster-se do tema, sentir-se segura, enxergar o final. Dessa vez estou melancólica e odeio não poder tirar o melhor de tudo, odeio as noites mal dormidas porque levanto num susto a cada pequena tosse que meus filhos dão no quarto ao lado - tosse de alergia, que sempre vem com a primavera, mas e se não for dessa vez? A pergunta não cala, meu sono não vem.
Escrevo da janela do meu quarto de Budapeste (estamos na nossa casa de Pécs durante esse período de quarentena, porque a casa é maior e tem quintal, só viemos para juntar algumas coisas que ainda faziam falta e arrumar alguns assuntos pendentes. Normalmente, juntar as coisas e ir para a casa de Pécs por um tempo é algo que fazemos alegremente, mas não dessa vez... dessa vez tem um sentimento de fuga envolvido, que desmente a sensação de férias) a visão da janela está linda e a primavera chega com seus dias ensolarados, o sol finalmente quente. Nesses dias, o que eu sempre amei foi observar a vida pelas ruas, nos parques, a felicidade estampada no rosto das pessoas... Mas não dessa vez... Dessa vez, o sol destaca ainda mais o medo, o fantasma de uma ameaça invisível. Budapeste está silenciosa e parada, o sol ilumina a frieza do distanciamento, põe em fóco os cafés fechados, os playgrounds interditados...
Eu não teria problema com o fato de ficar em casa com as crianças e o marido, essa parte está gostosa, curtimos muito a companhia um do outro, jogamos, assistimos filmes, estudamos juntos... não estou entediada, mas... - Eu costumo ser tão positiva! - Mas não dessa vez... Tira tanto da beleza de tudo isso, ter o medo plantado no portão da sua casa! Difícil explicar, não é um medo direto, da doença em si, mas um conjunto de todos os efeitos e cenários que está causando, como a primavera silenciosa e parada, a estação que mais destaca a vida, lutando justamente com essa ameaça.
Procuro pensamentos positivos para terminar esse texto... Não dessa vez... não tenho frases animadoras, nem conclusões que possam acalentar, a não ser o mesmo pensamento que tive nos momentos mais difíceis da minha vida: Paciência, ficarei quieta, esperando que tudo isso acabe, pois ESSA VEZ, assim como outras, também irá passar...
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