A escolha.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

                Viver em outro país é uma experiência extremamente fascinante para uns, ou incrivelmente triste para outros. Mas ser feliz ou triste, na minha opinião, é uma questão de escolha.
                Eu escolhi ser feliz e encarei, desde o começo, tudo como se fossem todos os meus sonhos se realizando, decidi ver sempre um "copo meio cheio" à minha frente e enxergar todas as belezas do país que viria a ser minha nova casa.
                Maravilhei cada novidade daqui, a temperatura maluca, que sobe e desce, a neve, as flores, o calor seco e verde da vegetação do verão, a volta do frio repentino com tons de vermelho, amarelo, marrom e roxo, que passaram a ser minhas cores preferidas, desde que vi o outono colorido... a culinária, tendo como seu tempero básico a páprica, pimenta e o bacon, tudo com um gosto característico de Hungria, até mesmo um prato tão universal como a pizza se torna mais húngara... a calma das ruas durante o dia, o alvoroço da noite, já que moro em numa cidade cheia de universitários e perto do centro, as festas vão de segunda a segunda... o jeito reservado do húngaro, que fica tão aberto quando bebe, com direito a declaração de amor e abraços- bom, isso talvez seja universal entre os homens- sua receptividade com relação a mim... Poderia encher páginas e mais páginas de coisas que amo aqui, mas isso são meus olhos e minha decisão de ser feliz.
                Durante meus dez anos morando aqui, conheci várias brasileiras, fiquei amiga de algumas e conheci outros pontos de vista, outros olhos, alguns mais críticos, alguns despreocupados, mas dentre eles haviam olhos que enxergavam o vazio que o Brasil deixou dentro delas, que comparavam as coisas daqui com as de lá e não encontravam seu lugar. Não vou mentir dizendo que nunca senti falta de algo que não tenho aqui e que no Brasil eu adorava, mas evito tal pensamento, seria como procurar motivos para não estar aqui, motivos para chorar, um "copo meio vazio". No começo era mais difícil lutar com meus pensamentos, muitas vezes tive que me policiar, muitas vezes me peguei chorando por sentir falta, mas não era o jeito que eu queria viver, eu tenho que ser feliz onde eu estou, com o que eu tenho e eu tenho muito do que a maioria das pessoas sonham. Eu achei minha metade e nunca mais deixarei de ser completa. Como poderia eu, agora com a alma tão plena, sentir-me sem parte de mim? Seria uma desfeita muito grande com os presentes que tenho ganhado da vida.
                Desde que mudei-me para cá entendi que tinha uma escolha a fazer: sentir-me dividida por ter deixado tão longe minha família maravilhosa e um país que sempre amei de coração, ou sentir-me afortunada por poder amar a dois países, ter um lar dos dois lados do mundo, por ter entendido ainda melhor o quanto eu tenho orgulho por ser brasileira e ver mais belezas na Hungria que os próprios húngaros, por ter uma família que não me esquece e está sempre de braços abertos quando eu volto... Não há dúvidas na minha decisão, sim sou feliz aqui, porque decidi ser.
                Muitas das coisas que eu amo ficou longe, a mais importante é minha família. Minha família é grande, barulhenta e beijoqueira, como dizia minha tia Nena. Desde criança adquirimos o costume de nos reunir todos os finais de semana no sítio de meus avós. Meus tios são tão presentes que poderiam assumir papel de pais a qualquer momento, tanto que foi inevitável passar pela opinião de todos quando meus pais assentiram que eu viesse para a Hungria. Meus primos são como meus irmãos, somos onze, meu avô nos considerava seu time de futebol. Logo na chegada ao sítio era de costume beijar a todos que já se encontravam no local, daí o apelido de beijoqueiros. Fora isso eu tinha o costume de beijar os menores até não poder mais, meu primo Rique que o diga, ele era o que mais eu apertava, porque me deixava fazer o que quisesse. A casa do sítio não era muito grande, então em horário de almoço o barulho era ensurdecedor. Correria das crianças fora, conversa das mulheres dentro da casa, os homens na cerveja e na churrasqueira, era apenas mais um domingo... Em festas de natal é quando mais sinto falta da barulheira, aqui na Hungria o natal é uma festa calma, para reflexão, mas pra mim nada retrata mais a união do que a minha barulhenta família.
                Sinto muita falta de abraçar, perdi o costume por aqui, antes eu vivia empuleirada em alguém, meu pai, meus primos... Claro que abraço meu marido e meus filhos, mas deixei de abraçar outras pessoas. Como é difícil demonstrar sentimentos depois que você os deixa de praticar...
                Sinto falta de minhas amigas, de ouvir, sempre fui boa ouvinte, certas vezes nem era preciso dizer nada para fazê-las sorrir, bastava ouvir suas reclamações e sorrir no final para que eu pudesse ajudar e minha maior alegria era despedir-me em gargalhadas de uma amiga que havia chegado triste... Com a distância não é a mesma coisa, seria mesmo estranho alguém chorando pela webcam e eu sem poder reagir corretamente, com um toque, ou uma graça... para certas coisas se precisa de pele.
                Sinto falta de coisas simples também: cachorro-quente da esquina, bar de karaokê, barulho de jogo na tv e principalmente de hino brasileiro antes do jogo começar... fanatismo por futebol, ou qualquer coisa que use a camisa do Brasil, nem que seja corrida de lesma, sempre torcer para a amarelinha... O Brasil é um país indiscutivelmente fanático, ou devo dizer apaixonado? Sinto falta desse sentimento de que "minha vida vai acabar se minha lesma amarela não vencer"... Cheiro de rojão aos domingos, misturada a fumaça de churrasco...
                Muitas lembranças boas... Em geral tenho a tendência de só guardar o que é bom e apagar, ou fazer muita força para esquecer o que não me fez bem.
                Certos dias ponho-me a pensar que estou perdendo muita coisa lá no Brasil. Que minha família cresce e convive sem mim, mas tem um outro lado, que faz pouco tempo que percebi, em que estou mais "protegida"... Em dez anos algumas coisas mudaram. O sítio em que cresci já praticamente não existe, virou cidade. Minha avó, mãezinha, como a chamava quando criança, e um dos meus tios, faleceram. Mas quando penso nas coisas do Brasil, está sempre tudo lá, como costumava ser, não consigo enxergar diferente, o esforço é maior para lembrar que tudo é diferente. Minhas lembranças não incorporaram essas mudanças, não as vivi tanto tempo para entendê-las e como acostumei com a ausência e a idéia de que não tenho perto, mas está lá, esperando por mim, é como se estivessem lá para sempre. Ainda está lá aquele sítio, minha avó fazendo o café e lendo seu livro, meu tio forte, trabalhando no campo com seu trator... Tudo é tão vivo! Não perdi nada estando aqui, ganhei da Hungria mais um motivo para lhe ser grata, ganhei a eternidade dos que eu amo. Claro que teria sido muito melhor conviver com eles, mas dentro das circunstâncias e das opções que tenho, ainda é uma surpresa maravilhosa que meu ponto de vista otimista, minha determinação em busca à felicidade e minha memória falha me oferecesse essa segunda opção.
                Ser feliz é a escolha que eu fiz, só tenho que ajustar ao mundo a minha volta.





COMENTÁRIOS AQUI!:


Ingrid Souza Says: 
Tem um livro chamado Ética para o Meu Filho, o autor é o Espanhol Fernando Savater, ele prega justamente que tudo na vida é uma questão de escolha, a felicida e o sucesso depende de nós e do que fazemos para conseguir!
Eu acredito nisso, estou fora do Brasil há alguns anos também, sou feliz aqui na Holanda, a saudade já faz parte, não dá pra se ter tudo, não é mesmo!?
A Hungria é um outro capitulo na minha história, me sinto em casa quando estou em Gyula visitando a sogra, o carinho, o cuidado que eles tem comigo e com o bebe, a fartura na mesa e simplicidade das pessoas me lembra o Brasil, na Hungria também tem a vó do namorido e ela me lembrou como é lindo, puro e maravilhoso o amor de uma avó, sou apaixonada por ela e ela por mim. =)

Você fez a escolha certa e que essa felicidade esteja sempre presente na sua vida e sua familia!

Beijocas
Juliana Says: 
Nossa Cá, muito lindo esse texto, achei muito emocionante!
Te admiro demais por ter toda essa coragem, e essa disposição para a felicidade! Você está mais que esta!
Nem consigo imaginar o quanto é difícil... quando está aí sente saudades daqui, quando está de férias aqui sente saudades da sua casa, do seu canto, e muitas vezes do seu amrido, que não pode vir....
O importante é você saber mesmo que estamos sempre sempre sempre a sua espera e torcendo para a sua felidiade!
Te amo demais.... e ainda estou aprendendo a viver com a saudade.... eu ainda chego lá!
Beijos querida!
Parabéns por mais um texto maravilhoso!
Mariana Says: 
Carô do cééééu!
Chorei sozinha aqui lendo seu texto! As lembranças do sítio são muito fortes pra mim também...Depois ri muito, claro com coisas que estavam guardadas na minnha memória, como num aniversário do seu vô, que fomos convidados e o bolo maravilhoso em forma de violão que o Diego caiu com as duas mãos em cima rsrsrs vc lembra? E quando um ganso correu atrás de nós e mordeu o Rafa! E o Andrézinho fazendo birra pra entrar no time de futebol lá do campinho pra jogar com os maiores: André, vc ainda é pequeno, vai se machucar!!! Rsrs Mas tem uma lembrança que vem com aroma: um nescau muito bom, cheiroso e quentinho que a Meire sempre dava pra nós no final da tarde de brincadeiras... aiaiai, bons tempos! Continue! Faz bem ler o que vc escreve! Deixa eu parar por aqui senão vou chorar o dia inteiro!
Grande beijo!!!
Carol Says: 
Ah, Ma, que delicia ler o seu comentário!!! Amei!!! Tb morro de saudades do sitio, das nossas brincadeiras, lembra de "Irmaos assassinos"? Nunca me esqueco... Tinha mesmo um cheiro, um clima... Ahhh tadinho do Diego... rsrsrs Mas ele merece um premio hj em dia, por tornar o bolo memorável, nao é mesmo? ahahaha Obrigada por seguir o blog, estou amando ficar mais perto de vcs com isso! Beijinhos!
Carol Says: 
Ingrid, vc sabe bem como é essa vida... Que bom que encara da mesma maneira que eu, eu gostaria que todo mundo tivesse esse ponto de vista, me ajuda muito. Obrigada pelo comentário!
Carol Says: 
Ju, minha linda, não é fácil mesmo ficar longe de vcs, mas sou muuuito feliz po TER vcs!!! Obrigada!!!
leysa Says: 
tem a mim, estamos um pouco longe amiga.. mas to aqui ehhehe pode empuleirar em mim tb morro de saudade disso tudo.. e dificil mas foi nossa escolha.. temos que ser feliz e fazer nossa familia feliz.. Ta lindo o texto perfeito e sincero ... greattttttttttt
Carol Says: 
Ah, obrigada Leysa! Vou lembrar de empuleirar em vc da próxima vez... rsrsrs Beijinhos!
Miriam Says: 
Filha: Tenho lido todas as suas escritas e fico muito emocionado ao Lê-las, pois voce consegue expressar todos os sentimentos que tráz em seu coraçãozinho. Quizera eu, expressar meus sentimentos da forma que voce faz, mas sei que isso é um dom divino e fruto de uma boa formação entre familiares e amigos....Continue sempre vendo a vida com o seu coração e passando isso para todos nós,familiares e amigos, pois tenho certeza que muitos o seguirão, pricipalmente seus filhos que são privilegiados por terem voce como mãe...Beijos.. papai....
Carol Says: 
Obrigada Papi pelo seu comentário lindo! 
Tenho muito a agradecer a vocês por todas as vitórias que tenho alcançado, pois tanto em exemplos, quanto em ajuda efetiva, como apoio moral e até mesmo finaceiro, tudo eu tenho ganhado de vocês e eu posso dizer que se não fossem vocês, com esses corações enormes, eu não teria chegado tão longe. Obrigada por ajudarem e confiarem tanto em mim. Por terem deixado desenrolar essa história que no começo era loucura aos olhos de muita gente, mas vcs conseguiram enxergar a minha felicidade e me soltaram no momento exato. Espero ter esse mesmo discernimento com os meus filhos. Amo muito vocês e sou eternamente grata a vocês por tudo o que sou.
Juliana Says: 
Aaaahhhhh essa música é tudo né... a gente cantava arrebentando!!!!! Eu não tirava do "repeat".... ahahahhahaah
Beijos queridaaa
Carol Says: 
Pois é querida, só lembro de vc mesmo quando ouço. Estou abrindo um espaço pra comentários na página Musicas que me tocam, assim da próxima vez fica mais fácil... :) Tb acabo de abrir uma comunidade no facebook, onde da pra comentar tb, mais um canal para aqueles dias que o blog não está cooperando... rsrsrs Beijos!
Yohana SanFer Says: 
Carol, enfim, aqui estou! não só retribuindo seu carinho e atenção mas também pra dizer que gostei muito de tudo aqui! Nos passa uma energia boa sabia? E que delícia te ler, adorei tua escrita e teu blog! 

Ser feliz é sim, a melhor opção, seja como for! Com novas cores de outono, temperos diários, com lembranças de sua família afagando a saudade...enfim....que possamos ser felizes através de toda e qualquer forma que a felicidade possa se manifestar em nossa vida!

Beijos e estarei sempre por aqui!
Carol Says: 
Yohana, estou muito muito feliz por ter ganhado vc de seguidora. muito obrigada pelos elogios!Tb adorei as coisas que vc escreve e é uma honra tê-la por aqui. Sinta-se a vontade, agora o blog tb é seu. :) Beijinhos!
Tata Says: 
Oi Carol, super legal o que vc escreveu! Concordo plenamente e o segredo e' exatamente esse "ver o copo a metade cheio". Eu tb penso assim, por isso que moro aqui ja a 18 anos! E' maravilhoso ir pro Brasil e sentir "ate que enfim estou em casa" e quando volto pra Hungria me sinto aliviada porque "novamente estou em casa"! Beijos.
Carol Says: 
Tata, quem bom tê-la por aqui!!! Estou muito feliz por ter gostado e é bem assim que me sinto mesmo, tenho duas casas e sou muito grata a Hungria, tanto quanto ao Brasil. Espero que vc venha nos visitar mais vezes, amanhã tem texto novo. Espero te encontrar um dia desses, nessa loucura de filhos aqui e filhos ai a gente sempre se desencontra... Avisa se estiver em Pécs! Beijinhos!
Paloma Gavazza Says: 
Nossa que bom que vc conseguiu ser feliz e realizada, dando valor ao que tem e ao que teve! Nossa acho que isso é um grande passo para a felicidade! Viver bem onde quer que esteja! Eu tb tento ser assim, e não pensar no que perdi, e sim no que ganhei!!! Adorei o post, bjs!!
Paloma Gavazza Says: 
minha mudança nem se compara à sua, são apenas 320 km da minha cidade, mas sabe, mesmo assim é difícil ficar longe de quem se ama!
Carol Says: 
Obrigada Paloma!
Que bom que você tb é uma pessoa positiva, a felicidade se resume a isso, não é mesmo? 
Imagino que vc sinta tanta falta quanto eu, afinal a saudade não mede distância, basta estar longe, não é? Mas se te ajuda, pense que tem gente mais longe que vc, assim como eu tb costumo lembrar que tem gente que não volta ao Brasil a mais tempo que eu... Ainda somos felizardas... :)
Beijinhos!
Daniela Says: 
Amei!

COmo diz um versiculo biblico: se teus olhos forem bons, todo teu corpo terà luz. Vc escolheu ser iluminada!

um bjo
Dani
Carol Says: 
Que lindo Dani!
Obrigada pelas palavras! conhecer pessoas como você é o que me faz saber que estou indo pelo caminho certo.
Beijinhos!
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