No livro da vida.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Para variar eu estava pensando na vida, na minha, na da minha família, na do resto do mundo e no que o mundo pensa da minha vida. Pensei também sobre as coisas que escrevo ou falo, sempre tão otimistas. Sou mesmo esse poço de otimismo? Essa sorte ambulante que tem uma vida perfeita? Eu abro meu livro para o mundo com que conteúdo?
Minha vida, para muitos que vêem de fora, ou lêem, parece um conto de fadas. Eu achei o amor da minha vida, me mudei para um país cheio de castelos, tive dois filhos lindos e vivi feliz para sempre. Não está longe da verdade, mas não foi tudo tão simples e não quer dizer que as vezes eu não enlouqueça. Não quer dizer que eu não chore de saudades, ou que não tenha desejado morar perto dos meus pais, assim que nasceram meus filhos, mais do que nunca. No entanto, eu não gosto de mostrar esse lado difícil, eu não gosto de reclamar da minha vida ou de minhas escolhas. Eu escolhi, e se decidi assim, foi porque valia a pena. Certamente sou feliz na maior parte do tempo e meu saldo é positivo na soma de tudo, então para que falar de coisas que me chateam?
Estive pensando em por que eu não gosto de escrever sobre momentos difíceis, sobre brigas com meu marido, incertezas com meus filhos… e lembrei-me do meu avô e da frase que mais li no seu livro de poesias. Sem perceber, eu sempre estava lendo e relendo aquela frase, talvez porque eu me encontrasse nela. Ela dizia o seguinte:
„Minhas alegrias eu divido com os meus, meus erros, assumo, eu e Deus.”
Na primeira vez que li isso, fiquei surpresa. Meu avô errava? Aquele homem sábio e maravilhoso? Fiquei imaginando, que erro teria ele cometido para escrever aquela frase? E essa frase foi o máximo que ele chegou perto de contar um erro seu, de dizer que errava. Mas eu pude entender, acho que sou um pouco disso. Dentre as várias poesias que ele escreveu, inclusive sobre mim, nenhuma descreve mais o que sou do que essa frase.
Eu não faço isso para parecer bem para os outros, mostrar uma máscara ou coisa assim, tanto que estou aqui, falando sobre isso, assim como ele, deixando pistas de que um dia errei e me perguntei se estou fazendo certo. Só que simplesmente não quero guardar esses momentos, não vou registrar no livro da minha vida.
Momentos de brigas, momentos de desespero e vontade de correr pra casa, são momentos de erros, onde existe algum desentendimento, onde as partes não enxergam a razão do outro, que com certeza também existe, pois todo mundo tem a sua razão e as brigas só aparecem e persistem enquanto não vemos a razão da outra parte. Mas esses são, simplesmente, capítulos vividos onde eu passo um corretivo, para que quando eu possa ler o livro da minha vida, eu veja apenas como eu fui feliz, apenas onde eu acertei. Que fiquem os exemplos do que fiz certo, os maus exemplos não são precisos nem para mim, nem para quem me lê. Se os esqueço fico feliz, se lembro, tento entender e apagar. A lição que aprendi com os erros ficam, o que não pode ficar são os próprios, pelo menos trato de não os imortalizar.
Talvez por isso eu também tenha certa dificuldade em guardar rancor , lembrar que alguém me quis mal… Basta um sorriso e o corretivo está passado, começamos numa folha em branco. Isso é ruim? Não, não creio que seja. Ao perdoar alguém, nos livramos de uma carga imensa de dor.
Ver o lado bonito da vida, assim como eu, era o jeito do meu avô, que batia no peito e deslanchava a falar de todas as suas qualidades preferidas: tropeiro, domador de cavalos, homem forte, poeta apaixonado pela minha avó… Ele nunca se referia a si mesmo como dono de uma venda, profissão que também fez parte de sua vida, mas que pra ele com certeza era uma parte insignificante. No livro da vida dele, ele escrevia e pintava o retrato que ele queria dele mesmo. E ele era o tropeiro poeta, homem que na parede, ao lado da escrivaninha onde escrevia seus poemas, mantinha quadros de encontro de tropeiros e cavalos, um chicóte, uma boleadeira, um cantil e um berrante. Homem que fez uma família linda, mostrando bons exemplos e amando a cada um. Aquele homem, avô, que agradecia quando os netos dormiam em sua casa, no final de semana. Que adorava o movimento que fazíamos e o grande barulho que trazíamos a sua calma casinha de sítio. Esse era meu avô, mostrando todo seu lado bom.
Assim pretendo ser para meus filhos e netos. Aquela mulher que escreveu livros, que foi louca e apaixonada o suficiente para mudar de país sem pensar duas vezes e que realizou isso e aquilo na vida, fez bem para alguns e deu muitos bons exemplos. Porque eu sou o lado que eu quero mostrar de mim, o que o meu livro conta.
Meus erros eu não mostro, assumo.
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