Nas reticências do amor.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Não consigo dormir, abro meus olhos e sinto sua respiração, quente e tranquila. Nunca gostei de respirar o mesmo ar que outras pessoas, quando criança costumava virar a cara quando dormia na cama com meus pais, ou meu irmão, ou primos, mas o ar que vem de você cheira algo entre chuva e manhã de primavera. Talvez seu perfume tenha sido feito especialmente para mim e por isso me embreaga e faz meu coração bater forte.
Acendo a luz delicada do abajour, vejo você ao meu lado, dormindo, calmamente, as crianças estão no quarto ao lado. Uma sensação de paz me invade, a certeza de estar exatamente onde deveria estar, tudo perfeito, como sonhei e desejei com todas as forças um dia, quando tudo ainda era uma grande interrogação.
Lembrei-me de quando isso era tudo o que eu desejava, saber que ficaremos juntos para sempre, que nada irá nos separar. Quando descobri, dois dias depois de te conhecer e já perdidamente apaixonada, que você tinha apenas 2 meses ao meu lado- dois meses e meu príncipe voltaria para sua terra distante, cheia de castelos e sonhos – tudo parecia tão incerto, parecia loucura achar que aquilo daria certo, você com 18 anos, eu acabando a faculdade, sem emprego... Nada garantia nosso futuro juntos, tudo indicava que aqueles dois meses seriam os únicos de nossas vidas entrelaçadas. O desespero que nos tomou conta, a partir do terceiro encontro, quando não pudemos mais guardar e finalmente confessamos um para o outro que era amor, aquilo tudo que queimava, que ardia em nossos peitos e que trazia a angustia de saber que temos um prazo. Parece loucura dizer que em três dias de encontro dissemos “Eu te amo” pela primeira vez, outros podem achar precipitado, mas nós guardávamos aquelas palavras desde o primeiro encontro e elas saíram num desespero de não poder mais segurá-las. Nós vivíamos um misto de certeza e incerteza: certeza de que era real, que sentíamos mais do que as palavras poderiam colocar e a incerteza de que isso duraria o quanto precisávamos que durasse, a vida toda.
Lembrei-me de nossa segunda semana de namoro – devo explicar aqui aos outros, que o tempo andava diferente para nós, que tínhamos nossa vida juntos marcada por uma ampulheta implacável -   o sentimento era tanto e o tempo tão pouco. Lembrei, com um sorriso, de que você passou a chegar cada dia mais cedo em casa, passava a chegar antes mesmo que eu acordasse e que você sempre ficava até o último segundo, antes de pegar o último ônibus... E foi num momento desses que você se levantou num salto  – Tenho que ir! – te segui para descer as escadas e você parou no meio, ficou imóvel por um segundo, virou-se olhando em meus olhos, com vóz doce e decidida, as palavras chegaram aos meus ouvidos com tanta nuvem de contos de fada e borboletas que fiquei imóvel – Case-se comigo Carolina. – E você saiu correndo... – Meu ônibus vai passar. – Eu fui atrás, consegui te alcançar lá fora, na calçada, antes que você atravessasse a rua, te peguei a mão, você virou-se rápido para mim e falei – Sim! – com a certeza que nunca tive na vida, a certeza de que era esse o caminho. Com um enorme sorriso, você me beijou rapida e intensamente, sorriu e saiu correndo, atrás do ônibus. Essa noite fui dormir entre nuvens e sonhos, castelos e fadas a me cercarem, de repente a ampulheta não estava a minha frente, tapando toda a visão de um futuro feliz com você, era real, meu conto de fadas era real.
Claro que o casamento não era tão simples e não aconteceu tão rápido...
Agora está aqui, sua respiração, profunda, com cheiro de chuva, na primavera tranquila da vida que temos.
No entanto, quanto me faltou fôlego quando finalmente tive que te dizer adeus, naquele aeroporto... Nunca chorei tanto, horas seguidas, sem saber quando te veria outra vez, sem dia marcado. Uma dor e um vazio de quem vira as costas para o destino, de quem é obrigado a tomar a direção contrária da vida que sonhou, de quem morre por dentro tentando fotografar o seu último sorriso, prometendo voltar para me buscar. Foi um ponto final, que durou muito. E viver sete meses longe do meu coração, longe das borboletas no estômago, da promessa tão concreta, que agora era distante. Sete meses com um buraco negro me preenchendo, de alma vazia e apagada, vivendo de esperança e saudades. Meses onde dez minutos por semana era o tempo que podia ouvir sua vóz ao telefone. Meses intermináveis como o dia em que discutimos ao telefone - por ciúmes, por falta, culpa da distância  – e voltei correndo para casa, dois quilômetros, na chuva que lavava meu choro compulsivo, que disfarçava para o mundo toda a dor de uma alma quebrada, a chuva que me ajudou a por pra fora toda raiva e toda frustração de saber quem pode me completar e não poder fazer nada a respeito. E mesmo que você aparecesse, haveria um prazo, um ponto final e nossa história parecia uma saga, de vários livros a serem completadas sem um resultado permanente. Seriam pequenos capítulos juntos e muitos separados... Como seria? E tudo o que eu mais desejava na vida era isso, você dormindo, respirando ao meu lado, você marido e pai dos meus filhos, nossa casa e nada que nos diferencie de outros casais normais e felizes.
Passada toda a tempestade de incertezas, inícios e pontos finais, é só isso que eu desejo, te ver dormindo todas as noites ao meu lado, que de grandes histórias de amor já vivemos bastante e me basta. Histórias de amor são lindas, mas são feitas de obstáculos e sofrimento, antes de um final feliz. Agora eu só quero viver as reticências após o “felizes para sempre”, a parte que já não interessa a muita gente, mas que curtimos a cada dia: o toque, o sorriso, a convivência, a amizade, a intimidade e a simples presença. Quero viver de sentimentos sutis e completos. Que nossas reticências durem para sempre, que nas reticências do amor é que amamos plenamente.
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