De malas fechadas e espírito alvoroçado, preparo-me para
mais uma viagem de volta às raízes.
Há um ano atrás eu fazia o mesmo percurso até o Brasil,
porém com pouco menos ansiedade que hoje. Essa ansiedade não se encontra no
medo de avião, ou nas vinte e quatro horas de correria, de casa ao aeroporto,
de um aeroporto a outro, depois mais outro e novamente de carro até em casa,
tudo com duas crianças para acompanhar - hoje ainda tem o marido de quebra,
para tranquilizar. Não é isso que me tira o sono e faz pensar de madrugada,
quando o som do resto do mundo é menor que os da minha cabeça e qualquer
pensamento transforma-se em altos gritos para me alertar. Dessa vez, gritam
esperanças de um começo, de uma estréia.
Desde que decidi escrever um livro sobre o começo do meu
relacionamento com meu marido, tenho feito planos, colocado prazos e cumprido
tudo com muita eficiência, seguindo os passos que tracei na agenda. Um passo de
cada vez. Foi difícil, mas não foi assustador, como agora. Agora, todos os
passos conhecidos (escrever, arrumar, ler e reler) chegaram ao seu destino. A
partir daqui minha estrada é desconhecida, ando no escuro e terei que confiar
em outros olhos, outros pontos de vista. Meu livro será mandado para editoras e
expostos a opiniões de pessoas que não tem simpatia por mim. Estarei enviando
partes íntimas de minhas lembranças e pensamentos para pessoas estranhas que
poderão ler, mostrar a outras e, o pior, poderão não gostar e recusar!
Não que eu seja dessas que desiste na primeira, porque sou
bem teimosa em matéria de realizar sonhos. Mas fato é que a "hora da
verdade" está aproximando-se e isso causa-me ansiedade. Pego-me pensando e
planejando até mesmo as recusas, mais tarde vejo-me explodindo de emoção com
meu livro editado nas mãos, assinando dedicatórias, depois de mais um tempo
volto a imaginar o tempo passando e sem resposta alguma (o que é ainda pior que
a recusa) e assim tenho passado meus dias.
Não espero confetes, nem tapinha nas costas, isso é apenas
um desabafo, apenas um texto para me acalmar e lembrar a mim mesma que sou
capaz de realizar sonhos impossíveis, não aceito "não" como resposta
e mesmo com um "não", eu acho meu caminho.
Fico a imaginar o que meu avô - poeta com dois livros
impressos - sentiu ao segurar nas mãos sua vida em páginas. Lembro-me de ser
criança e lembro-me das palavras que ele não disse, do seu silêncio com o nó na
garganta, olhos marejados e nossos sorrisos, de filhos e netos, cercando-o, no
mesmo silêncio significativo, daqueles que enche o ar de tudo o que nem é
preciso ser dito, sabe-se. Com esse pensamento, com a imagem do meu vô Noé,
minha coragem aumenta e a vontade de realizar esse sonho é imbatível. Sei que
no momento em que realizá-lo, o ar vai se encher novamente, na presença de suas
palavras mudas. De alguma forma, gosto de acreditar que ele torce por mim, de
onde está e que seu riso forte preenche todo aquele ambiente com cada conquista
minha.
Por fim, acalmo-me pensando que sonhos são exatamente assim:
se estou a sonhar acordada, pra que precisaria dormir? Enquanto acredito que
estou a ponto de realizar, não tenho sono, não preciso fechar os olhos para me
preencher as noites. Sonho e vivo ao mesmo tempo e só me darei ao luxo de
acordar quando ele terminar do jeito que eu quero, quando estiver em minhas
mãos Meu livro e puder acomodá-lo na estante, ao lado dos livros de meu avô.
Cada um é responsável pelo final da sua história, a minha eu
já escrevi.