Obra prima da lembrança.

sexta-feira, 25 de março de 2011

   Semana passada fizemos uma viagem de quatro dias, eu, Zsombor e os meninos.
   Aproveitei esse tempo para gravar algumas imagens em minhas lembranças. Tenho essa mania, sempre que posso, principalmente com relação aos meninos, tento gravar coisas pra mim mesma. Não são coisas que se possa gravar com uma câmera, gosto de enxergar as peculiaridades de cada um, gravar o cheiro e a sensação do momento, colocar tudo em uma caixinha pra poder pegar em outra ocasião e olhar novamente, como uma foto 3D, que além das imagens, mostram-me sentimentos.
   Para isso é preciso de um dia onde posso parar e olhar. Normalmente os dias passam cheio de afazeres e mesmo quando estamos juntos, estou fazendo algo pra eles, ou participando do que fazem e o tempo passa como se me escapasse... Eles crescem rápido demais! Não quero esquecer de como eles eram exatamente quando pequenos. Suas imagens de bebês já são tão distantes...
   No segundo dia de viagem decidimos fazer um "churrasco" húngaro. É diferente do churrasco brasileiro. Normalmente é feito na natureza, nesse caso escolhemos um lindo lago na entrada de uma floresta. A paisagem ainda era seca e desmatada, mais marrom que verde, o cheiro ainda era mais de barro que de folhas, a natureza está apenas começando seu ciclo depois do inverno rigoroso. Para esse tipo de churrasco existem lugares especiais, construídos. Um círculo de pedras forma o local para a fogueira, podendo assim acendê-la sem o perigo de fogo na vegetação. O lugar era perfeito, e ao lado da fogueira ainda havia uma mesa de madeira bem rústica, retangular, grossa, com bancos de tronco de árvores cortados ao meio, dos dois lados. O tempo estava gostoso, começo de primavera, ainda com um friozinho, mas com sol, também ventava muito, mas isso só ajudou a acender o fogo. Pegamos alguns galhos, coisa que eu e o Hunor fizemos muito bem, observando a grossura, a textura e o formato de cada um... Em seguida afiamos , usando facas, canivetes e outros materias de sobrevivência que fazem a alegria do Zsombor e do Zsombi e limpamos tirando a casca em sua volta. Aqui as pessoas não compram espetos de ferro, pois a melhor parte de se fazer o churrasco é o contato com a natureza. Depois espetamos o bacon, bem grosso, e a cebola. Zsombi observava tudo com muita ateção e procurava ajudar no que podia, enquanto que o Hunor corria de um lado para o outro sentindo o vento e a liberdade da grande clareira.
   Enquanto os "homens" preparavam a churrasqueira, cortei alguns tomates, verduras e umas fatias bem grandes de pão, que são como os nossos "pães italianos" (Zsombor sempre fica indignado com o nome dado no Brasil, pois aqui é o pão mais comum, ele acha que deveria ser "pão húngaro").  
   Não preciso dizer que ficou ótimo... Mas razão de tudo não é a comida extremamente calórica. E sim a união da hora do preparo e por fim a roda ao lado da fogueira, enquanto está sendo assado. As crianças ansiosas, vendo o fruto de seu trabalho dando resultado, os comentários sobre quando seria a hora perfeita para tirar do fogo o bacon e dar uma passadinha no pão, para deixar um gostinho, depois devolver ao fogo, repetidas vezes até que os pães estivessem com gostinho e o bacon levemente torrado. A comilança em geral é rápida, ninguém consegue comer muito bacon e minhas crianças, por um milagre da natureza, não se sabe como, preferem sempre a verdura...
   Após nosso almoço, Zsombor foi brincar com os meninos e comecei então minha gravação.
   Hunor olhava e apertava, com os dedinhos pequenos de seus dois anos de idade, uns pelotinhos de terra, que se desmanchavam em sua mão, logo seguia um sorriso de descoberta e então ele repetia o processo... depois  enxergou umas pinhas e correu em minha direção para mostrar outra novidade. Falei cuidadosamente o nome: PI-NHA. Zsombor repetiu em húngaro: TO-BOZ. Ele sorriu deliciado com novas palavras e saiu as repetindo. Foram muitas as descobertas naquele dia: pequenos cutucões com galhos na terra, rolar nas folhas secas que estavam no chão, deitar fazer o formato de anjinho, mexendo pernas e braços e ficar observando o movimento das árvores com o vento, que balançavam como se dançassem, vi em seu sorriso que isso o agradou... o vento que batia em seu rosto, forte, ou em suas costas, mudando seu equilíbrio, ele foi pendendo seu corpo pra frente e pra trás para descobrir a diferença, com os olhinhos fechados e concentrado, depois sorrindo novamente, assim que entendeu a força do vento... Tudo era material de observação e pesquisa.
   Zsombi não tem muito interesse na natureza, embora goste de estar desfrutando dela. Ele procurava coisas para confeccionar, algo útil em sua concepção, como galhos para fazer estacas e lanças, ou uma madeira de um formato que dê para entalhar e fazer um skate, que é seu sonho mais recente. Ele discutia com o pai as possibilidades de cada material interessante encontrado.
   Zsombi costuma planejar. Seus desenhos são planos e não somente desenhos, ele sempre faz coisas que façam algum sentido e não vê muito o que fazer com desenhinhos de animais ou paisagens. Seus últimos desenhos trazidos do prézinho foram: um calendário, um gráfico de estatística e um plano para uma estação de foguete, que ele desenvolveu assim que chegou em casa, com uns materiais encontrados no quintal. Ficou linda! Assim que ele me mostrou, surpreendendo-me outra vez, comentou pesaroso:
   - Agora o papai tem que me ajudar a fazer alguma coisa pra explodir e mandar o foguete pra cima... -Não pude deixar de sorrir com sua idéia excêntrica e extremamente perigosa, como de costume.
   - Depois o papai te ajuda a mandar pra cima, com algo que não precise explodir, certo?
   Abracei-lhe e disse mais uma vez o quanto ele é especial.
   Algumas vezes Zsombi parece um adulto pequeno, ainda sem conhecimento suficiente para fazer o que precisa, isso o deixa irritado, pois suas idéias estão sempre a frente das possibilidades de um menino de quatro anos.
   Dois meninos com personalidades tão diferentes mas igualmente adoráveis...
   Quando pensamos em ter o segundo bebê desejamos ter uma menina, pelo fato de já termos experimentado um menino. Seria bom algo diferente.
   Não consigo imaginar agora não ter uma dessas personalidades, totalmente diferentes! Eles são os contrários que se completam, dois pólos que unem minha vida, a biologia e a física, tudo o que é preciso para fazer o mundo funcionar, o meu mundo funcionar...
   Graças a eles, sinto que temos a harmonia perfeita em nossa família, as bases para a constituição da vida. Cores e formas, música e onda, um observa e analisa, o outro põe em prática e constrói... um time perfeito.
   Cada experiência vivida com o Hunor é totalmente diferente do que já passamos com o Zsombi. Hunor tem suas canções e suas danças, enquanto Zsombi tem suas idéias e fantasias.
   Ali, naquele lugar mágico para meus filhos, pude observar coisas que eu já sabia, mas ainda não havia registrado. E naquela noite meu último registro foi ver os meninos empuleirados no Zsombor, encima da cama, rindo e brincando. Zsombi então, com sua percepção adulta de um momento perfeito, veio em minha direção, lendo meus pensamentos, e me deu um beijo:
   - Mamãe eu te amo! - Seguiu para o papai e repetiu a frase em húgaro - Szeretlek apa!
   Hunor reagiu em harmonia com seu pólo contrário, correndo em sua direção e o abraçando antes mesmo que Zsombi o fizesse, os dois se beijaram e depois Hunor seguiu beijando o papai e a mim... Tive que fazer uma força para não chorar enquanto as crianças se olhavam satisfeitas pelo momento perfeito, orgulhosos pelo que haviam proporcionado. E conclui assim minha melhor imagem no arquivo da minha memória. Imagem a qual não podia deixar de compartilhar aqui. Minha obra prima da lembrança.





COMENTÁRIOS AQUI!:


Miriam Says: 
Obrigada querida por transmitir tão bem seus sentimentos e nos contagiar com suas emoções.
Você é maravilhosa, o texto está lindooooo!!!!
beijos!!! Mami
Juliana Says: 
Adoro todos os seus textos (inclusive os mais antigos, não publicados.. rsrs) mas este realmente é de tirar o fôlego, e digo isso de coração, e você sabe bem que estou falando a verdade, pois você me viu o lendo, em tempo real, e viu como eu me emocionei...
É como se eu pudesse ver e sentir tudo aquilo com você, dividindo esse tempo maravilhoso com os pequenos...
Obrigada por me deixar fazer parte desse momento maravilhoso!
Um super beijo querida!
Anamaria Says: 
maravilhoso.É um daqueles poucos textos que conseguem emocionar a gente de verdade,não é nada piegas,nada água com açúcar,como estou acostumada a ver por aí em tantos outros blogs,continue nessa estrada,avançando sempre em direção ao sucesso,que é o que te espera,porque um dom como esse não se encontra a toda hora.a-mei
Luiz Says: 
Carolina, seu texto ficou muito bonito. Mesmo conhecendo os meninos apenas por fotos (trabalho com tua mãe e o que não falta aqui são fotos deles) reconheci todos os adjetivos incansavelmente dedicados a eles pela Miriam.
Parabéns! Pelo texto, pela família e pela bela formação que oferta aos teus pequeninos.
Zsombor Says: 
Meu orgulho é Voce!
IVONETE Says: 
REALMENTE,,ESTE TEXTO É MAGNÍFICO!!! VC NEM IMAGINA COMO VC CRESCEU EM LIBERDADE PARA ESCREVER... ESTÁ CADA VEZ MAIS SOLTA... MAIS ENVOLTA NA VERDADEIRA PROFISSÃO QUE ESCOLHEU: ESCREVER- TORNAR-SE UMA ESCRITORA.
CONTINUE... 
QUE CADA DIA SUA INSPIRAÇÃO FLORESÇA...
BJS IVO
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