Sonhei com
a infância no Brasil. Minha infância de “Sítio do pica-pau amarelo”, no sítio dos
meus avós, lugar onde todos os finais de
semanas e férias, eu, meu irmão e meus primos, criávamos aventuras incríveis dentro de um mundo mágico e cheio de poderes sobrenaturais.
O sítio era o mundo onde existiam portais para outros planetas, monstros, fadas, fantasmas, anjos e o bicho que tínhamos mais medo: O bicharraco. O bicharraco foi inventado pela minha avó, para que entrássemos na casa quando estava para escurecer e ela já havia gritado dez vezes, ouvindo sempre como resposta "mais um pouquinho", "já vai"... Então ela gritava - Olha o bicharraco! - e nós voávamos para dentro, com medo até de olhar pra trás.
E mesmo com
um sítio enorme para correr e se aventurar, um dos nossos lugares preferidos era a calçada da casinha do sítio.
Em meu sonho, lá estava
eu, na casinha cercada com uma grande calçada, onde costumávamos correr e
brincar o dia todo. Eu adulta, como se tivesse viajado no tempo, ouvi de dentro
da casa uma música familiar, de pneu de plástico e de borracha, misturado a
gritos e risadas, dando voltas e voltas na casa. Ao sair,
que supresa! Eramos nós, as crianças do sítio, com velotróis, carrinhos de
pedal e bicicletas, brincando de viajar pelo mundo em voltas infinitas na casa
do vô Noé.
Um sorriso correu-me pelo rosto, de lado a lado, o coração se encheu com uma ternura infantil, senti cheiro de mato e orvalho, senti a leve brisa do entardecer, vi borboletas e vagalumes, fiquei tão
emocionada que quis tirar uma foto para guardar aquele momento, que eu sabia,
um dia ia se perder. Aquelas crianças cresceram, as bicicletas e velotróis se
foram e o sítio não é o mesmo...
Porém, antes mesmo
de ter tempo para tirar a foto, fui acordando do sonho, fui sendo puxada de
volta a realidade e, mesmo apertando os olhos para que não abrissem, as imagens
foram-se escurecendo até sumir num manto negro, até que nada mais me restasse além de abrir os
olhos e deixar uma pequena lágrima correr para fora dos meus olhos.
Fiquei em
parte triste por não poder mostrar a calçada original – estrada eterna das
nossas viagens imaginárias – aos meus filhos, em parte feliz por matar as
saudades daquelas crianças que fomos um dia.
O
importante em tudo isso é que a casinha está guardada dentro de mim e nas
calçadas da vida a gente da muitas voltas e acaba voltando, vez ou outra, ao
lugar onde partimos. As voltas da vida só andam em um sentido, mas - assim como o mundo, que é redondo - surgem
pequenas chances de darmos aquela olhadela no passado, para sentir a saudade
gostosa e querer tirar uma foto mental.
Sonhar com
o sítio é sempre uma viagem no tempo, são sempre meus sonhos mais reais, os que
tem cheiros e gostos, os que tiram lágrimas assim que eu acordo. Eu só posso
ser muito grata por essa infância tão encatadoramente real, por ter existido um
lugar mágico onde ainda posso visitar em sonhos.
Saudades da
infância, saudades do sítio.