Natal pra mim tem cheiro de pinheiro cortado na hora e frutas, ar do sítio de noite, quente, mas com brisa leve, som de grilos e música dos anos sessenta, estrelas, bagunça e vagalumes...
Toda a minha infância, toda a minha vida no Brasil foi assim. O natal era comemorado no sítio dos meus avós. Passávamos o dia com os primos na piscina, jogando volei ou futebol, os adultos cortavam um galho dos enormes pinheiros que ficavam por volta do campo de futebol e a árvore era enfeitada com muitas bolas coloridas, laços, fitas e luzes, meu avô fazia questão das luzes.
De tardezinha começava a formar fila para tomar banho e se arrumar para a festa. Vinha a euforia, a partir dali sabíamos que o natal estava começando. A casa da minha avó tinha 1 só banheiro, então é de se imaginar a farra que era, tomávamos banho de 2 em 2, ou até 3 de uma vez para facilitar, quando fomos crescendo o grupo se dividiu em meninos e meninas, mas de pequenos era como íamos chegando.
A mesa era farta com frutas, doces, tortas e muitas delícias. Embaixo da árvore todos os presentes de uma família composta por meus avós, cinco filhos com respectivas esposas e maridos, mais onze netos. Isso traduzido em presentes, significava a metade da sala da minha avó coberta de pacotes. Nós ficávamos namorando os presentes a noite toda, entre uma brincadeira e outra, passávamos adivinhar qual pacote era de quem e é claro que os maiores pacotes eram mais desejados. Certa vez sonhamos a noite toda com um grande pacote de presente, que acabou se revelando uma fruteira para a minha avó. Enquanto não chegava a hora da entrega, corríamos em volta da casa, pegávamos vagalumes, dançavamos sempre os mesmos discos, entre eles uma coletanea de músicas dos anos sessenta que adorávamos! Meu padrinho sempre dançava comigo, e ele dançava muito bem, me jogava para lá e para cá, como nos filmes de John Travolta que sempre amei. O natal no sítio ainda tinha as canções de meus tios e meu pai, que ao lado da cerveja e uma caixinha de fósforo, cantávam todos os sambas clássicos e músicas de bar que sabiam, nunca faltava Nelson Gonçalves, o preferido de meu pai: "Boemia, aqui me tens de regresso..."
Antes da hora dos presentes tínhamos apresentações. Nós, as crianças, sempre ensaiávamos algo, teatro, música, palhaçada... Achávamos que fazíamos o maior espetáculo da terra e os pais concordavam com isso, aplaudindo e rindo com gosto de tudo o que mostrávamos.
Minha madrinha sempre era encarregada de entregar os presentes, um por um: de tal pessoa para tal! As pessoas abriam os presentes, se abraçavam e beijavam, tiravam fotos e vinha o próximo. Um processo demorado, mas que curtíamos cada segundo. Quando eram meus tios mais velhos Ney e Terezinha, a criançada gritava "Beija, beija, beija!" e eles, vermelhos, davam um beijinho bem rápido. Não passava uma sem os pedidos da platéia. Chegando meia noite, soava o relógio antigo da minha avó e todos se abraçavam desejando feliz natal, todos se beijavam e subia então um amor que saía pulsando do coração e nos olhos de muitos, explodia como lágrimas... Eu não costumava chorar, minha explosão parava na garganta e vinha a tona em forma de um sorriso aberto, desses que dói o rosto de tanto sorrir. Naquele momento era possível sentir todo o amor, toda a união da minha família barulhenta e enorme. O milagre do natal, que sempre foi minha data preferida. O momento perfeito, quando você sente que tem tudo de melhor que poderia ter no mundo, uma família linda que se ama.
Sem que as crianças percebessem, na hora dos abraços,(cada adulto era encarregado de abraçar uma criança, como fiquei sabendo mais tarde), todos os presentes mais esperados, o grande pedido feito ao Papai Noel por cada uma das crianças, eram levados para fora, diretamente do quarto que ficava trancado, num grande saco vermelho. Meu padrinho pegava um sino e tocava lá fora, quando corríamos ver o que era, lá estava o grande saco vermelho e o som do sino ia afastando-se pela estrada, levando com ele toda a nossa crença num Papai Noel que quase podíamos ver. Na escuridão da estrada do sítio nada se via, mas cada um de nós jurava ter visto o velhinho. As crianças ficavam radiantes... Ele existe! -Sim, ele realmente existiu, nossos pais o fizeram real.
Hoje me dou conta de quanta magia, quanta fantasia, quanto amor tive chance de ter nos natais de minha infância com minha família bagunceira e festeira.
Aqui na Hungria os natais são mais calmos, pelo menos eram até nascerem meus filhos... Agora tento juntar um tiquinho de tudo o que vivi e sonhei na infância: cheiros, impressões, sons...
Meus natais não são mais assim, moro longe e faz muito tempo que não passo com minha grande família barulhenta e beijoqueira. Os natais de lá também não são mais no sítio, que já virou cidade. Eu me mudei para a Hungria, mas as coisas mudaram para quem ficou lá também. Hoje ouvi uma frase que me emocionou e lembrou-me do natal: Voltar para casa é impossível.
Fez-me pensar que nunca voltarei ao meu natal da infância, com vagalumes brilhando como num conto e música repetida de vitrola, com meus avós sorrindo e achando lindo a gritaria da criançada...
O natal da infância ficou no sorriso que tiramos dos nossos filhos agora, tentando reproduzir um pouco daquilo tudo. Minha família ainda passa unida e está cada vez maior. Eu aqui, passo com minha pequena família, os costumes são um pouco diferentes, mas conseguimos adaptar a estória de magia para meus filhos.
A vida muda, coisas vêm e coisas vão, o importante é que o amor é o mesmo, conservamos o carinho ao enfeitar a árvore, o cheiro do pinheiro, a esperança de ver o Papai Noel, os olhos brilhando das crianças e os abraços da meia noite, de resto, só posso agradecer por ter tanta sorte de ter feito parte de tudo aquilo que vivi e desejar que meus filhos sintam tanta magia quanto eu sentia.
À minha família barulhenta, à minha pequena família daqui de casa, aos amigos e todos que conheço, tanto do mundo real, quanto do virtual, desejo um natal cheio de amor e magia!