Faz alguns
anos que venho lutando com o monstro do medo de dirigir. Esse monstro não foi
sempre assustador, nem sempre esteve lá, ele foi se instalando com o passar dos
anos, vindo da falta de prática e muita falta de autoconfiança com a direção.
Um medinho no começo, que foi crescendo até se transformar num monstro que toma
conta da minha vida e assombra minha liberdade.
Sim, minha
vida é regida muitas vezes por esse medo, pois ele decide que não posso sair a
hora que quero, para fazer o que quero ou preciso, a menos que eu possa fazê-lo
a pé ou com o marido na direção. Mas que atrevimento desse monstro malvado!
Quem é que decide, afinal, a hora que eu devo fazer as coisas e como?
Há alguns
anos atrás, logo depois de ter meus bebês, meu marido convenceu-me a enfrentar
esse inimigo, depois de muitos anos que eu vinha aceitando, conformada, as
limitações impostas por ele. por um bom tempo eu fechei meus olhos tentando
convencer a mim mesma de que eu não precisava vencê-lo, que ele não era tão mal
assim e não fazia diferença em minha vida. Mas conviver com um medo sempre faz
diferença.
Na hora de
confronta-lo, chorei muito, aterrorizada por aquele monstro que eu deixei crescer
tanto. Percebi que ele havia crescido muito mais do que eu imaginava. Algumas
vezes era o bastante sentar à frente da direção para entrar em pânico e ligar o
motor era como pular de paraquedas (para alguém que tem medo de alturas,
claro).
Mas meu
marido insistiu e não se sensibilizou por minhas lágrimas e pedidos para que me
deixasse viver sem esse confronto com meu monstro pessoal. E as lágrimas jorraram
muitas vezes. Comecei a andar pelo bairro com o marido do lado. Algumas vezes
parei o carro e quis pular para o banco do carona, tão mais confortável e
amigável! Mas o “malvado” do meu marido não deixou. Voltava a olhar para os
olhos ferozes daquele monstro e me jogava no abismo do medo numa queda livre
que só terminava quando eu ouvia o motor parar e podia afrouxar o sinto, com as
mãos trêmulas e bobas de tanto nervosismo. Se eu tivesse algum problema de
coração, já teria morrido com essa adrenalina toda...
Mas notei
que o medo foi diminuindo a cada tentativa, o desespero foi atingindo níveis mais
controláveis e sãos.
Depois que
o bairro já era feito sem muito drama, passamos a ir mais longe e mais longe...
Cheguei a viajar 150 km dirigindo com meu marido do lado. A presença dele, mais
confiante em minhas capacidades que eu mesma, passou a ser o suficiente para
que o monstro da direção diminuísse de tamanho, afinal, com ele do lado,
qualquer coisa que acontecesse, sempre poderia ser arrumada. Ele até poderia
tomar meu lugar, se fosse o caso de eu travar como nunca...
Foram anos
para conseguir dirigir sem transparecer tanto o nervosismo. Sempre que eu tinha
que dirigir a respiração ficava mais forte, assim como meu batimento cardíaco,
mas assim que ele sentava ao meu lado e dizia o que eu tinha que fazer, eu
fazia e ia bem.
No entanto,
eu sabia que chegaria o momento em que eu teria que fazer isso sozinha e esse
momento chegou nessa semana. Meu marido viajou para longe e o carro ficou
comigo. Eu e o monstrinho, juntos, à sós.
Olhei para
aquele monstrinho Gremlin (lembra daqueles monstrinhos terríveis e invencíveis
do filme de Spielberg que só aumentavam e faziam mais estrago a cada momento?) parado
em frente de casa por alguns dias, sabendo que teria que domina-lo a qualquer
momento. O coração palpitava só de imaginar o barulho do motor, roncando e
zombando de minha capacidade. E nesses dias eu segui o impulso de tentar,
procurando não pensar muito no que estava fazendo.
Peguei a
chave, minhas coisas e entrei no carro. O detalhe é que estava chovendo. Eu
nunca havia dirigido na chuva e nunca havia dirigido sozinha. Nesse momento
caiu a ficha e comecei a tremer, vi o Gremlin virar um gigante em instantes e
pensei em sair. Afinal, poderia eu escolher um dia pior pra vencer esse
monstro? Mas respirei fundo e não voltei atrás. Arrumei o banco, os espelhos, liguei
o limpador de para-brisas coloquei o sinto, senti meus pés no pedal e tirei o
freio de mão. Então, liguei o carro.
Seu motor
urrou com ferocidade para me assustar e meu coração respondeu com um pulo. Mas
como o corajoso não é aquele que não sente
medo e sim aquele que enfrenta o
medo, decidi ser corajosa e decidi que não desistiria, não desligaria aquele
carro porque isso seria minha derrota, seria transformar meu Gremlin em gigante
novamente para sempre.
Coloquei na
primeira e fui saindo. Cheguei à esquina dando seta, parei e o carro morreu...
– Sem problemas! - repeti para mim mesma,
trêmula – continue, ligue o carro e continue.
E foi o que
eu fiz. Dirigi até o supermercado, entrei no estacionamento minúsculo dele e
tive que colocar o carro numa vaga entre outros dois. Não ficou exatamente no
meio, mas ninguém saiu batido ou riscado e isso é ótimo.
Ao parar o
carro, tremia tanto que mal conseguia pegar a lista de compras.
“Como eu
vou sair daqui depois?”
Fiz a
compra tremendo tanto que alguém poderia achar que eu estava aprontando ou
roubando algo. Por que alguém faria uma compra tão nervosa?
Saí com as
compras, respirei fundo e entrei no carro. Fiquei ali, sentanda, por um minuto,
tentando me acalmar antes de ligar o motor novamente e quando me senti capaz,
liguei, coloquei na ré e fui fazendo tudo com calma. – O máximo de calma que me
cabia. - Minha saída fora ainda melhor do que a entrada na vaga e logo estava
dando a volta no estacionamento, sentindo minha pulsação a mil voltando, aos
poucos, ao normal até chegar em casa e estacionar.
Ao parar o
carro, meu Gremlin havia voltado a ficar pequeno. Ainda é algo que me deixa
nervosa e com medo, mas deixou de ser um gigante que me faz chorar. Deitei
minha cabeça para trás por um instante e respirei fundo, sentindo o sorriso se
formar em meus lábios.
Eu
consegui!
O monstro
da direção não é algo fácil de derrotar, ele exige tempo e persistência. Por
isso, no dia seguinte eu fiz novamente, com menos medo e tremedeira. Depois, no final de semana, levei as crianças de carro no parquinho, que
tem um caminho bem mais elaborado, cheio de mãos corretas para seguir entre os
quarteirões. Fiquei até com dor de estômago pensando em como fazer o caminho e
enquanto as crianças brincavam, eu fazia, mentalmente, a volta para casa,
pensando em alternativa para se as mãos das ruas estivessem diferentes do que
imaginei. E meu Gremlinzinho já parece mais bonzinho. Ainda aprontão, mas já se
vê esperanças...
Medos são
irracionais, capazes de ir tomando o controle até aceitarmos sua presença como
parte de nós mesmos. Mas eu não quero essa parte como minha, isso não sou eu,
eu não sou nem meus medos, nem minhas derrotas. Quero-me por completa, eu
mesma, vitoriosa, sabendo do que sou capaz e o que eu posso. Eu posso tudo!
Quem diz o contrário, só pode ser algum monstrinho querendo tomar conta do
pedaço. Nessa armadilha eu não caio mais.
Adeus
Gremlin!