Ele entra
lentamente, veste um casaco de couro preto, já surrado pelo tempo, um
chapeuzinho cinza, típico da idade, se vê muito desses chapéus por aqui,
aqueles que parecem uma boina. Seu andar é lento, trêmulo. Rosto marcado,
branquinho. Dirige-se ao caixa e faz seus pedidos. Pede pão e algumas
guloseimas, parece satisfeito...
Eu mexo meu
cappuccino e tento escrever algo no caderno aberto, mas sinto-me mais atraída
pela cena na cafeteria.
Tenho a
mania de me colocar no lugar de pessoas estranhas. As vezes olho para alguém e
imagino a vida dessa pessoa, os sentimentos, o olhar, com seu ponto de vista...
Imagino seu passado e seu presente...
Aquele
senhor me chamou a atenção e logo comecei a pensar em que vida ele tinha: devia
ter uma vida de classe média baixa húngara, com sua casinha, jardim para cuidar,
talvez com uma pequena parreira de uvas (na Hungria muita gente faz o próprio
vinho, principalmente os mais velhos), fazia suas visitas ao médico, conversava
na sala de espera e tinha um dinheirinho contadinho, mas suficiente, como a
maioria dos aposentados húngaros. Como a maioria dos homens idosos, talvez
tivesse participado de alguma guerra... Viveu o comunismo. Teria feito parte
dos que apoiavam ou seria mais um dos que não estava feliz, mas tentava não
demonstrar, não chamar a atenção, para não perder mais bens, não ser preso? De
qualquer forma, foi uma pessoa ativa, alguém que trabalhou, já foi jovem, forte
e hoje anda em passos lentos. Como deve ser perder a agilidade?
Ele tira a
carteira do bolso com certa dificuldade peculiar da idade e eu baixo meus olhos
para o caderno, deixando de observa-lo.
Depois de
alguns segundos, uma conversa um pouco mais calorosa que de costume, os
húngaros falam baixo, me chama a atenção. Aquele senhor ainda está no caixa, a
fila vai crescendo e a moça tenta lhe explicar:
- Não
senhor, isso não é dinheiro de verdade, é de mentira, só um papel.
Ele olha
para a nota e não compreende.
- Mas onde
eu posso trocar esse dinheiro então, se vocês não aceitam?
Ela respira
fundo, pacientemente, vejo que tem pena, assim como várias pessoas da fila, que
começam a se mexer desconfortavelmente com o episódio. É difícil ouvir sua voz
rouca e confusa, sem um nó na garganta.
- Meu
senhor, isso não é dinheiro, não se pode trocar em lugar nenhum, entende?
- Mas como?
Eu ganhei esse dinheiro, quero comprar comida. Quanto é? – Diz ele, mais
trêmulo ainda, revirando a carteira para contar suas moedas, que deviam ser
poucas, porque ele suspira resignado – Não vou poder levar o pão?
As pessoas
olham para ele, são apenas alguns trocados... Creio que estejam torcendo para
que ele tenha aquela quantidade em moedas.
Ele ainda
não se conforma com o fato de estar tentando pagar com um dinheiro de brinquedo
e ainda não entende que não é possível trocar por dinheiro de verdade ou
comida, mostrando novamente a nota.
Levanto-me,
já no meu limite de sentir todo o peso que aquele homem leva nas costas, por
causa da idade, e ofereço-me para pagar sua pequena compra, que não passa de
uns trocados.
A moça da
padaria pergunta se eu tenho certeza que quero pagar e eu digo que sim, com
certeza!
Ele, ainda
atrapalhado com suas moedinhas, ainda perguntando que tipo de nota era aquela,
é informado de que não precisa pagar, porque eu já havia pago, e mal entende o
recado...
O velhinho
sai com sua sacolinha de pães, em passos lentos, ainda confuso, deixando-me com
o peso de muitos pensamentos. Senti-me feliz por ter podido ajuda-lo com os
pães, mas ainda podia ver a vida que imaginei como sendo dele, agora ainda mais
profundamente...
Quando é
que pessoas fortes a ponto de sobreviverem guerras se tornam tão vulneráveis?
Alguém que
um dia havia sido um chefe de família, agora andava com uma nota de brinquedo,
sem entender como não podia pagar coisas com ela...
A vida às
vezes parece algo muito frágil, você luta tanto pelo futuro e um dia ele lhe
parece tão estranho... Um lugar confuso, coisas que você não sabe usar...
Talvez tenha sido apenas um dia ruim, talvez ele dê risadas com sua esposa,
igualmente lenta, preparando um chá... agora pensando positivamente, afinal, os
velhinhos são bem ativos por aqui: fazem seu vinho, cultivam seu jardim,
consertam eles mesmos o que quebra...
Fez-me
pensar em várias versões de sua vida e cheguei à conclusão de ele estaria bem
se tivesse alguém que o ama por perto, para dividir a lentidão de suas horas e
o compasso de seu ritmo de vida.
Tanto faz o
tempo que você levou construindo a carreira, sua identidade ou mesmo, seu
dinheiro, de nada será útil se não tiver alguém para rir junto sobre suas
trapalhadas no fim do dia.
Construa
relacionamentos, amizades, tenha pessoas em quem possa se apoiar. Viva de forma
que seus filhos estejam incluídos na programação diária, tenha com eles a mesma
paciência que espera que tenham com você, quando tiverem que explicar-lhe novas
tecnologias, que já não acompanham seu entendimento natural.
A natureza
nos prega umas peças: nos dá juventude e depois rugas, agilidade e depois
lentidão, somos agora quem cuida da família, depois seremos cuidados por ela...
É muito importante prestar atenção no quanto você coloca de energia na
construção dessa família.
Agora você junta as peças da mão que vai te segurar no futuro.