A casa onde
tudo era possível, onde a infância parecia eterna, o colo da vovó estava sempre
pronto para abrigar, o sorriso do vovô estava sempre a mostra quando enchíamos
o ambiente de uma bagunça saudável infantil.
Éramos em muitos
netos, mas a paciência dos avós estava constantemente em maior número. Naquela
casa, tínhamos a razão. “Deixa ela(e)!” dizia meu avô, pra qualquer bronca que
levávamos, seja qual fosse o motivo.
Houve um
tempo em que, na casa do sítio, a luz era só de lampião, o banho era de bacia,
com água esquentada no fogão e a água era do poço... Houve um tempo em que
fazíamos a própria cola, com uma mistura de farinha, para depois fazer a pipa
que soltávamos o dia todo... Houve também um clubinho dos primos: Clube dos
monstros. Nome bem apropriado para nós, que adorávamos histórias de terror, mas
que corríamos feito loucos para dentro da casa assim que minha avó gritava:
Olha o bicharraco!!!! – esse era o monstro que ela havia criado para botar toda
a criançada pra dentro, já que não ouvíamos as outras dez vezes que ela havia
chamado para o banho...
O sítio se
chamava Arco-Íris e meu avô dizia que a chave se encontrava lá no fim, sempre
que víamos um... Meu avô também tocava violão e recitava as próprias poesias,
era tropeiro e tinha cavalos, chicote, chapéu e tudo o que uma criança acha que
deve pertencer a um herói.
Era tudo
mágico, tudo meio “sítio do pica-pau amarelo”, com suas lendas e personagens fantásticos...
Éramos crianças da cidade, que ali, nos finais de semana e nas férias, virávamos
passarinhos fora da gaiola. Voávamos em aventuras incríveis e só parávamos
eventualmente, para comer uma torrada feita na chapa, com manteiga derretendo,
tomar achocolatado ou suco de amora... Ah, amoreira... Ficávamos todos pintados
com aquele roxo, de tanto comer embaixo da árvore. Quando não era tempo de
amora, havia o coquinho... Horas para quebrar e retirar de dentro aquele pingo
de coco, que por algum motivo era a coisa mais gostosa que existia...
Futebol
cercados por pinheiros, vôlei à sombra das Flamboyants, escaladas nas
mangueiras e caça de algodão nas paineiras... Bola, bicicleta, skate e carrinho
de pedal, que mais cansava que andava, mas era sempre muito disputado, afinal,
era um fusca muito bonitinho e foi usado até só sobrar a carcaça, então se
tornando mais leve, mais rápido e ainda mais disputado...
O dia
acabava com a sopa da vó, depois deitávamos TODOS na mesma cama (4, 5 crianças)
de uma vez), à luz de velas, cada um com um livro bem antigo, da coleção de
Seleções que minha avó mantinha, e líamos até adormecer...
A casa
mágica do sítio é algo que não se pode explicar... Pensando nela, sinto
saudade, uma sensação de união... A casa do sítio me traz o amor à família,
sempre tão presente, tão grande e barulhenta... Aquela casa tão pequena, tão
cheia de significados foi tornando-se lenda. Ela era meus avós e se transportou, juntamente, para outro mundo,
deixando apenas as melhores lembranças de uma infância privilegiada, de quem
cresceu em meio a tanto amor, com vários pais a nos cercar e primos que são
considerados irmãos.
A casa se
foi... tento pensar apenas com gratidão, deixando a tristeza de lado,
concentrando-me nas milhões de alegrias que ela representou. Uma lágrima sempre
insiste em cair ao ver sua foto, antes de rir comigo mesma, ao lembrar das
aventuras vividas... Mas parte do presente de ter vivido na magia daquele
lugar, continua, a parte mais importante: nossa família continua sendo
maravilhosa.
Saudades de vocês.