Letras, palavras, frases, um código desconhecido e
intrigante, remetendo a outros tempos, outros lugares, aventuras, sonhos,
fantasias...
Vejo meu filho pra lá e pra cá, dia após dia, com um
livrinho ou outro na mão. Ele senta-se na poltrona ao lado da estante de
livros, pega um dos novos gibis do Tintin (papai comprou todos que viu pela
frente, já que os meninos gostaram tanto) e começa a brincar de ler. Aos quase
quatro anos de idade eu reconheço nele a vontade de ler que eu tinha, o
interesse pelos códigos misteriosos que revelam incríveis estórias, segredos
guardados somente para quem os sabe ler.
Os olhinhos dele passam e repassam pelas páginas, imaginando
o que está escrito, como está escrito. Aventuras se revelam, a imaginação corre
pelos desenhos criando diálogos e enredos que, na falta de saber ler, ele
inventa.
Por lermos todas as noites - e agora temos lido Tintin mais
que qualquer outra coisa - ele conhece os acontecimentos e brinca de saber ler,
narrando cada episódio com trilha sonora
e efeitos especiais. Uma leitura bem emocionante, mais parecida com um
filme de Hollywood.
Quando eu tinha mais ou menos sua idade, lembro-me de pegar
livros da estante da minha casa e ficar olhando para as letras, imaginando o
que elas escondiam. Por vezes eu copiava, em rabiscos, uma página do livro.
Fazia um rabisquinho para cada palavra, deixando espaços entre eles, brincando
de saber escrever, de saber contar aventuras.
Lindo ver aquele pinguinho de gente sempre com um livro na
mão, brincando com os bonequinhos desenhados e ditando seu primeiro livrinho.
Os gibis já andam com umas orelhinhas de abano, mesmo sendo novinhos. Mas quem
liga pra isso, quando o uso está sendo tão proveitoso? O livrinho segue embaixo
do braço para o quarto, para a cozinha, para o banheiro e até para a casa da
vovó, no fim de semana.
No mundo da fantasia, meu bebê brinca de criar. Ele canta e
sorri, já aprendendo a maravilha da leitura, quem sabe já aprendendo a
maravilha da escrita...
Hoje, com quatro anos de idade, sabemos suas paixões, vemos
os seus maiores interesses, que provavelmente estarão ligados com sua
profissão, se ele ainda lembrar que eram esses...
O grande problema é que esquecemos tão facilmente o que ja
nasce com a gente...
Eu sabia que queria escrever, sabia que amava criar e com
tantos anos de coisas sendo colocadas em minha cabeça, daqui e dali, acabei
perdendo minha essência. Na hora do vestibular eu mal sabia se queria
veterinária, direito, jornalismo ou publicidade (os últimos dois ainda estão
relacionados com a minha primeira escolha, dos meus quatro anos, mas eu nem sabia o
por quê)... Onde deixamos nossa essência? Em que parte do caminho?
Levei muitos anos e muita conversa com meu marido para
descobrir o que eu já sabia aos quatro anos. Eu gosto de escrever!
Quantas vezes ele me perguntou:
- Mas o que você realmente gosta de fazer?
- Não sei, gosto de muita coisa... - O detalhe é que passei
anos sem escrever, totalmente esquecida de que isso era algo indispensável para
mim. Andava meio vazia e nem sabia o motivo.
E ele me perguntava isso, justamente porque via que eu não
sabia, não lembrava, que devia haver algo perdido, algo que precisaria
encontrar. Minha história, meu pequeno livro da essência, estava guardado
embaixo de muitos outros que vieram depois, histórias de outras pessoas, cartas
que me diziam o que fazer, papéis ditados com caminhos diferentes... e assim,
foi sumindo, pegando poeira, caindo atrás da estante e foi finalmente esquecido.
Em meu filho, a alma de artista é tão visível desde já... Na
escolinha é o primeiro comentário sobre ele, sempre:
- Será um artista essa criança... Vive no mundo da fantasia,
vive cantando e inventando enredos, até mesmo na hora do almoço usa o arroz de
seu prato para interpretar personagens. - Palavras da professora, que acha seu
jeitinho muito extravagante e original.
Trilha sonora em todas as aventuras, sabe todas e até cria
algumas. Trilhas preferidas: Superman, Indiana Jones, "Vai" De volta
para o futuro(como ele diz), Star Wars... Sempre cantarolando alguma dessas,
dependendo da situação. Em nosso passeio à floresta, claro que é Indiana Jones,
quando anda de bicicleta, pode ser "Vai" De volta para o futuro e
numa luta de espadas, com certeza Star Wars... Ahh e as fantasias são seus
brinquedos favoritos: Superman, Homem Aranha, Woody(Toy Story)... Ele adora se
vestir de super-herói e, pra variar, ultimamente tem penteado o cabelo como o
do Tintin, espetado na frente.
Ficamos imaginando o que será dele: um músico, um ator, um
diretor de filmes, um escritor... Tanto faz, sua alma aventureira e fantasiosa
ainda está escrevendo seu pequeno livro, criando suas próprias trilhas sonoras.
Nós ficamos na platéia, aplaudindo suas decisões e cheios de orgulhos em cada
episódio de sua vida.
E uma coisa é certa, não vamos deixar que você esqueça sua
essência. Espero que esse texto um dia o ajude a encontrar um atalho para o
caminho que você procura, servindo como um resuminho do livrinho que você está escrevendo, quem sabe te lembrando que deve procurá-lo, assim você poderá ser você mesmo desde sempre,
lembrando quem você é agora.
Hunor, meu bebê, você pode tudo, mamãe e papai vão sempre
acreditar em suas estórias, segue suas aventuras que o final só pode ser feliz.