Um vazio,
uma certa falta de inspiração, falta de algo... De um lugar? De alguém? Talvez,
uma amiga pra sair e dar risada, falta de ambientes barulhentos, gargalhadas
altas, histórias contadas com mãos, caras e bocas e som alto, programações, festas, churrascos e sons de futebol...
Depois que
volto do Brasil sempre passo por um período de melancolia, falta do que tinha
lá e não tem aqui e ao mesmo tempo alegria pelas coisas que não tem lá e tem
aqui. Um sentimento misto e confuso, um pouco triste, lá no fundo...
Viver na
Hungria é realmente bom, eu adoro e me sinto em casa. Vida mais tranquila, as
pessoas vivem menos para o trabalho, mais para a vida. Passeios na floresta ou
em lagos, caminhadas até a cidade, de mãos dadas, com as crianças andando de
bicicleta à nossa frente, sem nenhum medo do trânsito ou sequestradores.
Feirinhas no centro da cidade, crianças correndo pela enorme praça, enquanto os
pais sentam num café e curtem uma conversa ao fim da tarde... A vida é mais calma. Nesse final
de primavera, começo de verão, todos aproveitam o sol até as 8, 9
horas da noite, delicíam-se com seus raios, que fizeram tanta falta no longo
período frio. O bom de termos estações é que sentimos falta do sol, assim como
estaremos sentindo falta do frio no grande calor do verão e assim vamos
contemplando cada sensação, lembrando de curtir cada momento... Aqui na Hungria, sinto que vivo a vida intensamente, sempre fazendo algo com meu marido e meus
filhos, sempre apreciando alguma beleza ou simplesmente sentindo a brisa do fim
da tarde, no jardim, pegando cerejas da grande árvore do quintal de casa. Viver
aqui é bom.
Mas o rítmo
do Brasil ainda está em meu sangue, que pulsa em minhas veias em tom de samba, mpb
ou talvez de show de rock... Sinto falta da minha família se reunindo de final
de semana e de amigas para encontrar. Bate papo animado, quase que gritado, gargalhadas altas – os hungaros
são muito discretos para rir – abraços, nossa família abraça e beija muito...
Sinto falta de poder ligar para alguém, de ouvir aventuras e pensar em
alternativas para ajudar uma amiga ou prima... Aqui ninguém me conta nada extraordinário, nenhum segredo importantíssimo pra guardar, não
me pedem opinião e nem choram no meu ombro. Eu entendo que pela internet não seja
tão bom perguntar minha opinião também...
Estou
melancólica e sei que isso vai passar, não preciso de ajuda ou pena, sei que
logo estarei só enxergando o lado bom de tudo, como de costume, mas, como de
costume, tenho que passar por essa “crise de transição”, essa vontade louca de
juntar tudo de bom dos dois países, fazer um mapa só meu, onde Sorocaba e Pécs
são cidades vizinhas e viver completa.
Certa vez
sonhei com isso, eu estava no sítio da minha avó - onde todos os finais de
semanas eram simplesmente perfeitos, com primos e primas, tios, tias e avós, muito
riso, churrasco, segredos divididos, energia positiva de um para o outro – e depois
de curtir o dia, sugeri aos meus primos que dessemos uma voltinha em Pécs, que
ficava ao lado. Estávamos prontos para entrar no carro e passear pelas
montanhas daqui, depois passar em casa para uma conversa e então, eu acordei...
Foi tão real o sentimento de perfeição! Eu tinha tudo a um passo, estava inteira. A vida daqui,
a tranquilidade da minha casa aqui e minha família, amigos, sítio, tudo o que
me é precioso e ficou lá. Nesse sonho eu não precisei escolher, não tive que deixar
nada pra tras. Ao acordar, mesmo com tudo de bom que tenho, mesmo tendo certeza
das minhas escolhas, naquele dia, eu chorei.
Chorei como
criança que quer ter todos os brinquedos e só pode escolher um. Chorei de
teimosia e birra de querer tudo, mesmo sabendo que não posso comprar e que ja estou levando mais que a maioria das crianças. Fiquei de
bico com a vida e cruzei os braços para a razão. Um adulto também tem direito
de uma birra de vez enquando, uma crise de histeria, mesmo sabendo que não vai
ganhar o que se quer, de bater o pé no chão e reclamar mesmo assim: - Quero uma
mudança no mapa!
Como a
Emília, em “A reforma da natureza”, sonhei que podia tudo, redesenhei meu
mundo, coloquei tudo em seu devido lugar e era perfeito. Por que não podia
ficar assim? Como uma criança, não quis entender. Não tinha que acordar tão
rápido naquele dia.
Mas as
lágrimas não adiantaram, como a maioria das birras, como costumo dizer para
meus filhos: - Assim você não vai ganhar nada. Não é com choro que se resolve,
nem fazendo birra.
E como uma
criança na loja de brinquedos, vi que não ia adiantar nada e conformei-me com a
minha escolha. A escolha certa, mas que não quer dizer que seja fácil.
Aceitei de
volta minha saudade como amiga mais próxima e segui procurando encontrar tudo
de bom que me foi oferecido.
Não é uma
reclamação, é apenas um desabafo. Porque as vezes posso ser só um pouquinho
injusta e ingrata com o que ganhei da vida, principalmente quando a saudade
fica assim tão próxima. Só quero agarrar-me à minha companheira, a eterna
saudade, um pouquinho e curtir cada itém que me falta, fazer um balanço do que
ficou e colocar um pouco para fora em forma de lágrimas silenciosas. Não será um choro alto, nem gritos de socorro, apenas um pouco do sentimento que me excede, transbordando taciturno e discreto, apenas uns pingos para lavar-me antes de seguir em
frente, como sempre faço.
Sei que não
terei problemas em continuar, eu sempre continuo e o sorriso sempre reaparece, os olhos vermelhos voltam a brilhar branquinhos... mas amanhã, isso é só amanhã.